Temporada de queimadas promete ser “quente” no Brasil

Incêndios florestais e queimadas vão aumentar em frequência e intensidade, dizem especialistas. Crédito: Toa55/Freepik

Episódios semelhantes aos que ocorreram em Nova Iorque, na semana passada, tendem a se repetir em cidades brasileiras neste ano; com El Niño, situação poderá ser ainda pior.

Imagens da névoa espessa de fumaça que encobriu as paisagens de Nova Iorque e de diversos estados norte-americanos na semana passada – dignas de cena do filme Blade Runner 2049 – servem de alerta para a temporada de queimadas que se inicia em junho e vai até novembro no Brasil, especialmente na Amazônia e no Cerrado. São uma prova de que poluição e efeitos da emergência climática não têm fronteiras.

No caso de Nova Iorque, o fenômeno ocorreu devido ao material particulado pairando no ar decorrente das queimadas que atingem florestas do país vizinho, o Canadá. As nuvens de fumaça percorreram mais de mil quilômetros e chegaram a atingir partes da Europa, como mostrou a reportagem do Fantástico, da Rede Globo, no último domingo (11/6). “Teremos uma estação de incêndio severa”, anunciou o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau. Na semana passada, foram identificados mais de 400 focos de incêndio, metade deles sem controle. Trudeau atribuiu os incêndios florestais ao agravamento da crise climática.

Especialistas em queimadas no Brasil alertam: este ano promete ser atípico por aqui também. O fenômeno climático El Niño – caracterizado pelo aquecimento das águas do oceano Pacífico – já começou a dar as caras, depois de quatro anos sem ocorrer, segundo dados do Centro de Previsão Climática da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (CPC/NOAA), dos Estados Unidos. A tendência é de que El Niño se intensifique ainda mais entre setembro e outubro. Para o Brasil, isso significa a ocorrência de um ano bem mais seco do que o normal, ampliando ainda mais os riscos de incêndios e queimadas.

Os riscos são intensificados pela sobreposição dos efeitos do El Niño ao período em que as queimadas já ocorrem com mais frequência no país e ao agravamento das mudanças climáticas. Um levantamento divulgado pelo MapBiomas Fogo em abril aponta que, entre 1985 e 2022, a área total queimada no Brasil equivale à soma dos territórios da Colômbia e do Chile. Ao todo, foram 185,7 milhões de hectares devastados pelo fogo, uma média de 16 milhões de hectares ao ano, ou seja, mais que três vezes o estado do Rio de Janeiro anualmente. 

“A esmagadora maioria da área queimada brasileira se concentra em apenas dois biomas – o Cerrado, com média de 7,9 milhões de ha por ano, e a Amazônia, com 6,8 milhões de hectares/ano. Ambos também figuram entre os mais afetados pela recorrência do fogo, ou seja, o registro de mais de um episódio de queimada em períodos relativamente curtos de tempo”, aponta esta nota do ClimaInfo.

Dias viram noite Brasil afora

“O que Nova Iorque tem vivido esses dias muitas cidades da Amazônia vivem todos os anos”, alertou a geógrafa Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e coordenadora do MapBiomas Fogo, ao Fantástico.

Ela tem razão. Na primeira quinzena de agosto de 2022, os moradores de Porto Velho, capital de Rondônia, sentiram na rotina e nos pulmões a máxima de “não enxergar um palmo à frente do nariz”, como mostrou o g1 à época. Com o recorde de queimadas na Amazônia, a fumaça tomou conta da cidade, dificultando a visibilidade e lotando os hospitais com vítimas de problemas respiratórios. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a poluição do ar é responsável pela morte de nove milhões de pessoas no mundo todos os anos.

Em 20 de agosto de 2019, um caso emblemático mostrou que a poluição não tem fronteiras. A fumaça decorrente de queimadas em Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul viajaram por milhares de quilômetros e fizeram o dia virar noite em São Paulo

Ane Alencar destaca que a prevenção no combate às chamas e a redução do desmatamento são premissas urgentes para evitar episódios ainda mais graves neste ano. As estratégias aplicadas ao manejo integrado do fogo foram apresentadas por especialistas no lançamento do estudo do Mapbiomas.

Segundo dados históricos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a temporada do fogo ocorre principalmente entre os meses de junho a novembro, com picos registrados justamente nos meses de agosto (como ocorreram nos casos mencionados acima) e setembro (veja gráfico sobre “Série histórica do total de focos de fogo ativo detectados pelo satélite AQUA_M-T e S-NPP-375 TARDE, no período de 2012 até 13/06/2023”).

Fonte: INPE

Era do Fogo

O pesquisador Stephen Pyne, da Universidade do Estado do Arizona, em um artigo intitulado Era do Fogo (em analogia à Era do Gelo), cunhou a expressão Piroceno (Pyrocene) para caracterizar os impactos dos incêndios florestais e das queimadas no mundo. Segundo ele, os dados são subestimados.

Relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), publicado em 2022, já indicava que a frequência e a intensidade desses eventos vão aumentar em 14% até 2030, e em 50% até 2100.

É bom lembrar que o fogo não ocorreria com a frequência vista em áreas naturais se não fosse a ação humana. Ele depende de três condições: clima seco, material combustível (que podem ser folhas e galhos depositados no solo, mas também árvores derrubadas) e uma fonte de ignição. Por isso, ações de prevenção, como o manejo adequado de áreas agrícolas e o fim do desmatamento, assim como campanhas educativas, são mecanismos essenciais de adaptação a esses novos tempos.

Aqui um alerta: se nada for feito para frear a emergência climática e prevenir incêndios, cenas apocalípticas, com prejuízos reais à saúde e aos ecossistemas, poderão deixar Denis Villeneuve, autor de Blade Runner 2049, sentindo-se conservador nos efeitos especiais do longa-metragem. Fica a dica!

Texto: Daniela Vianna

Revisão técnica: Cristina Amorim

ClimaInfo, 14 de junho de 2023.

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