Debate sobre financiamento climático é chave na Cúpula de Paris

O ClimaInfo preparou uma série de perguntas e respostas sobre as razões pelas quais o debate sobre finanças é crucial para o avanço da agenda internacional no combate à emergência climática.

Por que as negociações de Clima estão focando tanto em Finanças?

2023 é um ano crucial para as finanças internacionais. Todas as peças do sistema estão em debate – o uso do dólar como moeda de troca; o papel dos bancos multilaterais de desenvolvimento; os juros altos e a crise da dívida nos países em desenvolvimento que está elevando a pobreza pela primeira vez desde a segunda guerra mundial; o endividamento recorde nos países ricos e o aumento da inflação; os impactos econômicos do clima extremo.

E as finanças estão no centro de tudo o que o mundo está fazendo para combater as mudanças climáticas.

Até 2030 o mundo precisará reduzir pela metade suas emissões para limitar o aquecimento global a 1,5°C, de acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática). Para a mesma data, os países concordaram, no ano passado, em deter e reverter a perda de biodiversidade, conforme a Estrutura Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal. Isso só será possível se o mundo aumentar o investimento em clima, biodiversidade e desenvolvimento sustentável para pelo menos 2-2,5% do PIB até lá. E uma ampla gama de áreas precisa de atenção imediata para dar impulso a esse financiamento com foco em clima.  

O dinheiro está protagonizando as negociações climáticas. O maior resultado da COP26, na Escócia, foi o Acordo de Florestas, que estabelece novos entendimentos financeiros entre países que consomem commodities, aqueles que as produzem, as empresas e os maiores protetores das florestas, os Povos Indígenas. 

Na COP27, no Egito, o resultado principal foi o acordo para a criação de um Fundo de Perdas e Danos para os países mais pobres e vulneráveis às mudanças climáticas. A operacionalização deste fundo ainda está em negociação, enquanto novas cobranças do Sul global por dinheiro ganham força. A pré-COP, em Bonn, na Alemanha, deixa claro que as negociações da COP28 nos Emirados Árabes Unidos terão de avançar nesse mesmo ponto. 

A Cúpula de Paris por um Novo Pacto Financeiro é uma oportunidade para avançar nas tratativas e destravar os recursos necessários para uma ação climática global efetiva. 

Por que os países vulneráveis ao clima estão falando sobre endividamento?

Nos países pobres e de renda média, choques econômicos e climáticos e taxas de juros injustamente altas limitam os gastos públicos com os serviços básicos, como saúde e educação, e também com as ações climáticas. Em muitos deles, as dívidas tornaram-se impagáveis e insustentáveis. 

As propostas atualmente sobre a mesa para a cúpula de Paris incluem os apelos dos países do V20 (20 países mais vulneráveis às mudanças climáticas) para que a dívida funcione para os mais vulneráveis e para melhorar a análise da sustentabilidade da dívida, além de reformar a estrutura comum.

A dívida dos países pobres é realmente um entrave à ação climática?

Os níveis de endividamento das economias em desenvolvimento e de mercados emergentes (EDMEs) mais do que dobraram, de US$ 1,4 trilhão para US$ 3,9 trilhões, desde a crise financeira global de 2008, de acordo com o Global Policy Centre, da Universidade de Boston. 

Da mesma forma, uma análise da ActionAid constatou que 93% dos países mais vulneráveis à crise climática correm um risco significativo ou já estão em situação de endividamento, ao passo que 60% dos países mais vulneráveis ao clima provavelmente estarão cortando gastos com serviços públicos, incluindo investimentos em ações climáticas, para continuar pagando suas dívidas. 

Sem uma solução para o endividamento, será impossível desbloquear recursos para investir em mitigação, resiliência e adaptação à mudança do clima. E pior: quanto mais enforcados financeiramente, mais os países dependerão de atividades econômicas que destroem a natureza. 

De acordo com a Secretária Executiva da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), Elizabeth Mrema, os níveis crescentes de dívida soberana elevam o risco de que os países em desenvolvimento dependam de commodities e extrativismo voltados à exportação. Isso ameaça ainda mais a biodiversidade global e dificulta a realização dos objetivos da CBD acordados globalmente.

>>> Este documento da Eurodad fornece uma visão geral detalhada de como a dívida e o clima estão interconectados.

Qual o papel climático das instituições financeiras internacionais?

As instituições multilaterais, incluindo o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, têm um papel fundamental na retirada de países vulneráveis e de baixa renda da situação de endividamento, liberando espaço orçamentário para clima e natureza. 

Se o próprio FMI admite que a estrutura comum não está funcionando, é fundamental que as estruturas da dívida sejam alteradas. Uma das propostas mais significativas para lidar com a iminente crise da dívida soberana está sendo apresentada por um grupo de pesquisadores e acadêmicos

Alterar a estrutura das dívidas gera outras oportunidades além da liberação de mais financiamento para gastos públicos com o clima. Por exemplo, pode incentivar a proteção e a restauração da natureza por meio do arranjos como a troca de dívidas pela natureza. E isso, por sua vez, tem o potencial de aumentar a confiança dos investidores privados nessas regiões.

O que são Direitos Especiais de Saque (do inglês SDR) e por que eles são importantes para os países vulneráveis?

O FMI fez uma alocação histórica de US$ 650 bilhões em Direitos Especiais de Saque (SDRs), sua moeda de reserva especial, para ajudar os países a se recuperarem da pandemia global. A maior parte da cota foi para países ricos que não precisavam dessa moeda, com apenas 5% sendo alocada para todo o continente africano. 

Diante deste vexame, o G20 se comprometeu no ano passado a reciclar US$ 100 bilhões de seus SDRs não utilizados – a moeda de reserva especial do FMI – para os países que mais precisam. 

Uma proposta importante que será discutida na cúpula de Paris é como os SDRs podem ser recanalizados por meio dos bancos de desenvolvimento. Uma opção é que isso ocorra por meio da emissão de títulos ou títulos de capital híbrido. Outra proposta desenvolvida pelo Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB) permitiria que os países reciclassem seus SDRs para o AfDB como capital híbrido. 

Como os países estão se posicionando no debate sobre liberar SDRs para os pobres? 

Há quem apoie, há quem se oponha. Christine Lagarde, Presidente do Banco Central Europeu, declarou que “o financiamento direto de bancos multilaterais de desenvolvimento por bancos centrais nacionais dos Estados-Membros da UE por meio da canalização de SDRs não é compatível” com as regras do Banco. Com isso, ela está bloqueando o progresso da recirculação dos Direitos Especiais de Saque. 

Bruno Le Maire, ministro das finanças da França, indicou que a meta de US$ 100 bilhões em Direitos Especiais de Saque (DSE) estabelecida pelo G20 seria uma prioridade na Cúpula do Pacto Global na França. O G7 também prometeu seu apoio à redistribuição de SDRs.

Durante as reuniões de primavera, o Japão dobrou sua promessa de redirecionamento de Direitos Especiais de Saque (SDRs) de 20% para 40% para ajudar a aumentar o acesso dos países mais pobres à moeda especial do FMI. 

Antes, a China já havia se comprometido a canalizar mais de um quarto de seus SDRs, enquanto a França prometeu canalizar 30%, e o Catar 20%

O Grupo dos 24 (G24), que ajuda a coordenar as posições dos países em desenvolvimento sobre questões monetárias internacionais e de financiamento do desenvolvimento, também solicitou que o G20 cumpra sua promessa de reciclar US$ 100 bilhões dos SDRs por meio de acordos multilaterais.

Não está claro ainda como o Brasil se apresenta nesta discussão. Sabe-se que o governo brasileiro está empenhado em ajudar um dos seus maiores parceiros comerciais, a Argentina, a sair do problema da dívida. 

>>> Se este é um assunto que te interessa em particular, este rastreador de SDRs criado pela ONE pode ser útil. 

>>> Este artigo do Finance for Development Lab discute as opções para redirecionar os SDRs para a África.

Podemos esperar uma reforma profunda no Banco Mundial?

O Banco Mundial e outros bancos multilaterais de desenvolvimento têm estado sob intensa pressão para adotar as recomendações do G20 para a revisão da Estrutura de Adequação de Capital. Esse conjunto de recomendações estabelecidas por um painel de especialistas pode liberar trilhões de dólares em financiamento de baixo custo para os países em desenvolvimento, assumindo mais riscos. 

A cúpula para um novo pacto financeiro global na França é a primeira grande cúpula internacional da qual se espera que o novo presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, participe. Ele iniciou seu mandato este mês. 

Banga já indicou que o Banco Mundial deve evoluir e enfatizou a necessidade de “aproveitar as recomendações da Estrutura de Adequação de Capital do G20 para ampliar cada dólar que ele [o Banco Mundial] tem”. 

Durante as reuniões de primavera, o Banco Mundial indicou que planeja emprestar até US$ 50 bilhões adicionais na próxima década para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar os desafios climáticos e de desenvolvimento. Esses planos foram endossados pelos Estados-membros durante as reuniões de primavera.

Novos impostos para viabilizar o financiamento climático são cogitados?

A cúpula para um novo pacto financeiro global reunirá um grupo de especialistas que discutirá como desbloquear novas fontes de financiamento em benefício dos países mais expostos às mudanças climáticas. 

A opção tributária mais significativa em discussão é uma taxa obrigatória universal sobre o transporte marítimo internacional, conforme proposto pelas Ilhas Salomão e pelas Ilhas Marshall. 

A proposta inicialmente apresentada à Organização Marítima Internacional (IMO) sugere a imposição de uma taxa sobre as emissões de gases de efeito estufa produzidas pelo transporte marítimo que ajudaria a financiar ações climáticas no mundo em desenvolvimento. Esses apelos dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS) foram apoiados pelo Banco Mundial e de alguns segmentos do setor de transporte marítimo, e espera-se que ocupem um lugar central durante as discussões sobre a busca de novas fontes de financiamento para a ação climática.

Algumas outras opções de impostos que serão discutidas incluem:

  • Um imposto sobre a extração de combustíveis fósseis ou um imposto global imposto aos produtores de petróleo, gás e carvão, que teria como modelo o Fundo Internacional de Compensação pela Poluição por Petróleo. A proposta é que seja cobrado sobre cada tonelada de carvão, barril de petróleo ou metro cúbico de gás extraído;
  • Imposto sobre lucros inesperados de combustíveis fósseis obtidos devido a condições econômicas especiais, que podem ser considerados excessivos ou obtidos injustamente. Essa medida tem a ver com o lucro exorbitante das petroleiras em 2022 em função do aumento do preço da energia causado pela guerra russa; 
  • Um imposto sobre passageiros ou passagens aéreas cobrado na compra de passagens. O principal foco são os passageiros frequentes;
  • Um imposto sobre transações financeiras (FTT) sobre a negociação de instrumentos/contratos financeiros, como títulos, ações, opções e derivativos. 

>>> Detalhes sobre todas as opções de impostos que estão sendo discutidas podem ser encontrados aqui.

Seria possível criar condicionantes para desastres naturais ou pandemias?

A Agenda de Bridgetown está pedindo uma cláusula especial em todos os novos títulos que suspenderia automaticamente os pagamentos de empréstimos por até dois anos quando um país for atingido por um desastre natural ou pandemia. Isso poderia liberar trilhões de dólares para serem gastos na reconstrução e recuperação, de acordo com o governo de Barbados

Barbados foi um dos primeiros países a emitir títulos com essas cláusulas e está pedindo que isso se torne uma cláusula automática em todos os novos títulos soberanos emitidos. 

Essas cláusulas estão sendo implementadas atualmente por três pequenos estados insulares, incluindo Granada, Barbados e Bahamas, e por dois credores, incluindo o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o UK Export Finance.

>>> Neste artigo, Mia Mottley explica por que as cláusulas de desastres naturais e pandemia são fundamentais.

>>> Saiba mais sobre a Agenda de Bridgetown neste briefing e neste artigo

Texto: Cinthia Leone, ClimaInfo

ClimaInfo, 21 de junho de 2023.

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