
Estatal de planejamento energético “esqueceu” de incluir nas contas o alto custo dos estragos das mudanças climáticas, já sentidos aqui e em todo o planeta.
A ala do governo que defende o “petróleo até a última gota” faz de tudo para difundir sua falaciosa tese de associar combustíveis fósseis e riqueza. Ignora os inúmeros exemplos de que essa energia suja favorece poucos e deixa uma alta conta socioambiental para muitos, como se vê em várias cidades do Brasil. Sem falar nos custos, crescentes e cada vez mais comuns, relacionados às mudanças climáticas – cuja principal causa é a queima de combustíveis fósseis.
A mais nova empreitada dos defensores da energia suja é um estudo da EPE, estatal de planejamento energético vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME). A pasta é liderada por Alexandre Silveira. O ministro defende explorar petróleo na foz do Amazonas e em outras regiões de altíssima sensibilidade ambiental para “financiar a transição energética”. Já chegou a negar a ciência, ao questionar, em plena Cúpula da Amazônia, a relação entre combustíveis fósseis e crise climática. E até sugeriu instalar reatores nucleares na Amazônia para gerar eletricidade em comunidades isoladas, ignorando a fonte solar.
No levantamento, a EPE diz que o Brasil deixará de arrecadar R$ 3,7 trilhões entre 2032 e 2055 em royalties, participações especiais e impostos, se não explorar combustíveis fósseis na margem equatorial – região que inclui a foz e cujo potencial de reservas é um “achismo” dos defensores do petróleo – e em outras áreas. Como se trata de um período de 23 anos, equivaleria a cerca de R$ 160 bilhões anuais, informam Folha, CNN, Poder 360, Canal Energia e epbr.
Além das cifras, a estatal de planejamento reforça outras narrativas da ala pró-energia suja do governo. Engrossa o alarmismo puxado por Silveira e Jean Paul Prates, presidente da Petrobras, segundo o qual o Brasil voltará a “importar petróleo” a partir de 2030 se não explorar a margem. E repete outra falácia: a de que o petróleo produzido no Brasil é um dos de menor nível de emissões de gases de efeito estufa no mundo. Além de ser um equívoco – como mostram dados da petroleira Saudi Aramco – o assunto já vem gerando uma disputa global entre empresas e países por quem produz petróleo “mais” ou “menos” sujo, lembra a VEJA Negócios. Mas, no fim, tudo é sujo.
Uma “conta de padaria” joga por terra os valores apontados pelo levantamento da EPE. Mas, antes mesmo dos números, é preciso se questionar a metodologia utilizada. A Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em Inglês) projeta que a demanda por petróleo vai atingir seu pico até 2030, entrando em declínio gradual logo depois. Isso, claro, tende a derrubar os preços do petróleo. Que são a base de cálculo de royalties e impostos. Sem falar na cotação do dólar, que também influencia esses valores.
Nos números, os equívocos da EPE são evidentes. Considerando o PIB atual do Brasil, de R$ 10 trilhões, e um crescimento anual pífio até 2055, de 2% ao ano, a suposta “perda” seria de pouco mais de 1% do PIB, algo representativo, mas nada alarmante. Outro dado “esquecido” pela estatal são os subsídios ao setor de petróleo, que fizeram o Brasil deixar de arrecadar R$ 80 bilhões, segundo o INESC. Em 23 anos [de 2032 a 2055], sem qualquer correção, isso representaria quase R$ 1,9 trilhão em renúncia fiscal, para financiar uma energia suja e que vem causando efeitos devastadores, tanto sociais como financeiros.
É o que mostra, por exemplo, uma pesquisa do Potsdam Institute for Climate Research Impact (PIK, da Alemanha). Mesmo que o planeta zerasse hoje as emissões de gases-estufa, a humanidade perderá renda equivalente a nada menos que US$ 38 trilhões anuais – isso mesmo, em dólares, e por ano, não em 23 anos – até 2049. E o Brasil é um dos países que mais sentirão tais perdas.
No Brasil, entre 2013 e 2023, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) calculou prejuízos de R$ 401,3 bilhões por conta de eventos climáticos extremos – cerca de R$ 40 bilhões anuais. Como as mudanças climáticas estão se agravando, esse valor tende a aumentar exponencialmente.
A EPE certamente não considerou a tendência global, também apontada pela IEA, de crescimento da eletrificação dos transportes. Parece ter ignorado também os próprios planos da indústria automobilística nacional, que anunciou vultosos investimentos na produção de veículos elétricos e híbridos flex. Isso vai diminuir a demanda por petróleo. E, por consequência, seu preço.
Portanto, parece evidente que a previsão apocalíptica da estatal não considerou a mais dura realidade: as mudanças climáticas causadas pelos combustíveis fósseis, que ela tenta defender, já estão provocando danos sociais, climáticos, ambientais e financeiros que não há royalty que cubra.
ClimaInfo, 2 de maio de 2024.
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