BNDES vê futuro da energia no retrovisor

BNDES
Fernando Frazão/Agência Brasil

Luciana Costa, diretora do BNDES, escreveu um artigo sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial repleto de equívocos e inconsistências que tornam ainda mais nebuloso um debate que deveria ser estritamente técnico. No fundo, repete um argumento desenvolvimentista do século passado e tenta disfarçá-lo como uma visão de futuro – o que não se sustenta.

O erro já começa no título. Produzir mais combustível fóssil definitivamente não é parte da transição energética, pelo contrário. O agravamento da crise climática é evidente e é consequência da queima de combustíveis fósseis. Exemplos não faltam. Vejam a atual onda de calor que está matando centenas na Índia; os recentes incêndios florestais no Canadá, cuja fumaça chegou a cobrir Nova York, a milhares de quilômetros de distância; e as tempestades históricas no litoral norte de São Paulo no carnaval, que mataram 65 pessoas. Tudo isso é efeito das emissões de gases de efeito estufa resultantes do consumo de petróleo, do carvão mineral e do gás fóssil. Emissões que precisam ser reduzidas, e não ampliadas, como afirma recorrentemente a ciência climática.

O conceito de “transição energética justa” foi concebido no Acordo de Paris, em 2015, e, resumidamente, diz que a mudança da matriz energética global para fontes renováveis deve ser feita considerando as pessoas. Mas uma matéria da Agência Pública no Oiapoque, no Amapá – região que será diretamente impactada com a exploração de petróleo na foz do Amazonas – mostra a apreensão de indígenas e ribeirinhos com a atividade. Ninguém foi consultado pela Petrobras. Isso é justo?

A diretora do BNDES ainda diz que o IBAMA “negou licença para a Petrobras pesquisar petróleo na Margem Equatorial”. Mais um erro crasso. O IBAMA indeferiu o pedido de licença feito pela petroleira para perfurar um poço exploratório no bloco FZA-M-59, na bacia da foz do Amazonas, uma das bacias sedimentares que formam a região. E somente isso. A Petrobras já perfurou poços na margem equatorial com autorização do IBAMA. É o caso de Pitu, descoberta feita pela Petrobras na costa do Rio Grande do Norte, onde a petroleira pretende perfurar mais poços, como noticiou o Broadcast, da Agência Estado. 

A suposta “comoção no debate público” foi provocada única e exclusivamente por um grupo político, apoiado por “especialistas do mercado” bastante interessados no desempenho financeiro da Petrobras, que não admite as justificativas técnicas do IBAMA e tenta politizar uma questão técnica. Este grupo tenta gerar uma narrativa segundo a qual os ambientalistas estão “contra o desenvolvimento”. O desenvolvimento do século passado que tanto defendem.

O pedido da Petrobras foi negado pelo órgão ambiental com base nas informações dadas pela própria petroleira – como o fato do socorro levar 43 horas para chegar ao FZA-M-59 em caso de vazamento de petróleo. Enquanto em apenas 10 horas o petróleo vazado chegaria a águas internacionais e à Guiana Francesa – que também está apreensiva com a exploração de petróleo na região, atesta a Agência Pública

A defesa da exploração de petróleo na foz do Amazonas, em particular, e na Margem Equatorial como um todo esgrime as recentes descobertas na Guiana. Contudo, mesmo com similaridade geológica, não existe qualquer garantia de que haja petróleo aqui como lá. Inventou-se um suposto volume de 30 bilhões de barris sem qualquer indício concreto de sua existência. A este volume fantasioso deram o nome de “novo pré-sal”. Só que o pré-sal tem mais de 100 bilhões de barris comprovados. E ainda há muito desse volume a ser produzido. 

Falar em “riqueza” da Margem Equatorial é falar de um sonho. Sonho que pode virar pesadelo rapidamente se ocorrrer algum vazamento, e a própria diretora do BNDES admite que se trata de uma região ambientalmente sensível. Os litorais do Amapá e Pará abrigam 80% dos manguezais do país, vitais para várias espécies e dos quais dependem diversas comunidades.

Luciana Costa admite que as restrições aos combustíveis fósseis são crescentes e que a tendência é de preços em queda. Então, qual é a justificativa para explorar petróleo na Margem Equatorial? Um recente relatório da Agência Internacional de Energia (IEA) projetou o pico da demanda por petróleo para 2028, quando esta começaria a cair. Se a Petrobras informou que tem reservas provadas suficientes para produzir por mais 12,2 anos – portanto, até 2035 –, sem falar no que ainda está explorando no pré-sal, explorar a margem é jogar dinheiro fora, já que um campo de petróleo costuma levar seis anos, em média, entre a exploração e o início de sua produção.

Na defesa do indefensável, a diretora do BNDES também se equivoca nos dados sobre a intensidade das emissões da produção de petróleo na Margem Equatorial, que ela diz ser “30% menor” que a média mundial. Mas, se não há produção na região, não se pode ter esse dado. Provavelmente quis se referir ao pré-sal, onde a Petrobras já anunciou ter reduzido a intensidade das emissões.

Além disso, o maior problema do petróleo e do gás fóssil não está em sua produção, mas sim em seu consumo. É a queima desses combustíveis fósseis que faz disparar as emissões de gases de efeito estufa e agravar ainda mais o aquecimento global. Ótimo que a Petrobras e outras petroleiras reduzam as emissões de suas operações, mas seu produto é o maior problema. Então, por que aumentar sua oferta?

É urgente que a Petrobras se torne uma empresa de energia do século 21. Mas o principal para isso não foi dito nem pela empresa, nem pela diretora do BNDES: afinal, quando e quanto a companhia investirá em fontes renováveis de energia? Quando começará a substituir combustíveis fósseis por soluções renováveis? Quando, enfim, vai assumir seu papel estratégico em tornar nossa matriz energética cada vez mais limpa?

Uma resposta para essas perguntas é certa: não será a exploração de petróleo e gás fóssil na Margem Equatorial que fará a Petrobras virar sua página de petroleira. A necessidade do planeta é a maior prova disso.

Leia mais sobre por que não explorar a Foz do Amazonas aqui.

ClimaInfo, 21 de junho de 2023.

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