É necessário desbloquear o investimento internacional em clima e desenvolvimento

Crédito: Pedro Ribeiro Nogueira/Escola de Ativismo

Uma pesquisa de opinião recente mostra que a franca maioria dos brasileiros está preocupada ou muito preocupada com as mudanças climáticas e com o futuro da Amazônia. O levantamento indica que os brasileiros sabem que a crise climática, que continua sendo alimentada, os afetará diretamente e às suas famílias, e metade dos eleitores declarou já ter votado em função de propostas ambientais. 

A aprovação pública para a ação climática é grande também no mundo. Uma pesquisa internacional robusta nos países do G7 mostrou que o clima é um dos principais temas eleitorais, mesmo neste momento de crises inflacionária e de energia. E há um amplo apoio para gastar mais com o clima e o desenvolvimento em comparação com defesa, mesmo sob a ameaça bélica da Rússia. E nesses países ricos, 65% acham que as nações mais ricas precisam arcar com uma parte maior do custo quando se trata de financiar ações climáticas – apenas 11% discordam.

Esse apoio público dá aos países a oportunidade ideal para reformar o sistema financeiro internacional para que ele se torne um ativo da ação climática. A Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, em junho de 2023, já se consagra como um momento importante de mobilização de iniciativas.

A crise climática, a perda de natureza e a desigualdade são algumas das maiores ameaças à estabilidade econômica global. Todos nós nos beneficiaremos de um planeta mais seguro, protegido e sustentável. Os países mais ricos também receberão um retorno sobre seu investimento – trata-se de investimento estratégico, não de caridade.

Os sistemas financeiros globais precisam de atualização

Instituições como o Banco Mundial e o FMI foram projetadas em outra época, há quase 80 anos. Elas precisam se transformar para responder às crises que o mundo está enfrentando hoje. Este é o momento de atualizar o sistema para sempre. O apoio à Iniciativa Bridgetown de Mia Mottley e a propostas como a do V20 (20 países mais vulneráveis às mudanças climáticas) estão ganhando ritmo e terão destaque na Cúpula. 

Atualmente, as instituições financeiras globais estão aprofundando as desigualdades e aumentando a dependência de combustíveis fósseis. 

Nos últimos cinco anos, o tempo médio entre a proposta de um projeto e a entrega do dinheiro pelo Banco Mundial foi de 465 dias. No caso de projetos ambientais que exigem a devida diligência, o tempo médio entre a proposta e a conclusão é de 7,4 anos (mais do que o tempo que nos resta para ficarmos dentro do limite de 1,5 grau Celsius).

Ajay Banga acaba de assumir a presidência do Banco Mundial, e com a nova liderança, surge a oportunidade de reformas significativas e de aumentar o financiamento. 

Já existe dinheiro no sistema

Globalmente, precisamos aumentar nosso investimento em clima, biodiversidade e financiamento do desenvolvimento para entre 2 e 2,5% do PIB até 2030.

Isso é aproximadamente equivalente ao gasto global com defesa ou um pouco mais da metade dos lucros dos combustíveis fósseis em 2022.

Instituições como o Banco Mundial e o FMI precisam expandir seus empréstimos rapidamente para evitar mudanças climáticas catastróficas e a perda da natureza, e para criar uma riqueza de empregos e oportunidades em todo o mundo.

O Banco Mundial poderia mais do que dobrar sua carteira de empréstimos para US$ 535 bilhões em relação aos atuais US$ 215 bilhões (com base nas demonstrações financeiras de junho de 2020) sem afetar sua classificação AAA.

E os bancos multilaterais de desenvolvimento poderiam emprestar até um trilhão de dólares a mais apenas usando o capital de forma mais eficiente.

Outra urgência é realocar os fundos do FMI (direitos especiais de saque) atualmente reservados para os países ricos que não as utilizam e disponibilizá-las para os países mais pobres que precisam delas.

A pobreza extrema está aumentando pela primeira vez em uma geração. 828 milhões de pessoas vão para a cama com fome todas as noites. De acordo com o Global Debt Database do FMI, o endividamento geral aumentou 28 pontos percentuais, chegando a 256% do PIB em 2020. E a dívida pública (de empresas não financeiras e famílias) agora representa cerca de 40% do total global – o maior valor em quase seis décadas.

Nos países em desenvolvimento, choques econômicos e climáticos e as taxas de juros injustamente altas limitam os gastos públicos com os serviços básicos (saúde, educação, por ex.) e com as ações climáticas. Em muitos deles, a dívida tornou-se impagável e insustentável. As taxas de juros médias sobre novos empréstimos contraídos por países de renda mais baixa aumentaram 5,7% em 2022, quase três vezes a taxa de aumento dos custos de empréstimos do governo dos EUA, que subiram apenas 2%.

A transição para uma economia de emissões zero líquidas pode trazer novas oportunidades substanciais de emprego. E seguir o caminho Net Zero da Agência Internacional de Energia colocaria o investimento anual total em energia em US$ 5 trilhões até 2030, acrescentando mais 0,4 ponto percentual por ano ao crescimento anual do PIB global.

Investir mais e melhor

Ajudar os países mais pobres a se desenvolverem e impulsionar as economias das nações mais ricas não são objetivos mutuamente excludentes. Investir em ações climáticas nos países mais pobres também aumentará as perspectivas econômicas do G7. 

E o investimento em resiliência à mudança do clima economiza dinheiro a longo prazo: US$ 1 gasto hoje economiza de US$ 4 a US$ 7 no futuro. E ao fazer isso, não estamos apenas melhorando milhões de vidas entre as mais ameaçadas, mas também proporcionando empregos, segurança energética, segurança alimentar e prosperidade estável no futuro também nas nações desenvolvidas. 

Ao criar oportunidades econômicas em sociedades vulneráveis, é menos provável que as pessoas sejam forçadas a se mudar. Por outro lado, sem uma ação das nações mais ricas agora, o mundo terá 1,2 bilhão de refugiados climáticos até 2050. Essa seria a maior crise humanitária da história e teria um custo incalculável para as sociedades do G7 devido à migração em uma escala jamais vista. 

Por exemplo, em Bangladesh, os ciclones que causam inundações aumentaram a salinidade de 53% das terras agrícolas, mas um esquema supervisionado por ONGs locais e pelo projeto de pesquisa holandês Salt Solution está ensinando 10.000 agricultores a cultivar culturas tolerantes ao sal, incluindo batatas, repolhos e cenouras. Como resultado, será gasto menos em operações internacionais de ajuda emergencial.

Prevenir é sempre melhor do que remediar – em 2016, a força de um furacão de categoria 5, o furacão Maria, destruiu o equivalente a 226% do PIB de Dominica e as enchentes de 2022 no Paquistão causaram mais de US$ 30 bilhões em perdas econômicas e demandam pelo menos US$ 16 bilhões para a reconstrução.

Vamos fazer com que os poluidores paguem

Está crescendo o ímpeto para a cobrança de taxas de carbono sobre o transporte marítimo e a aviação. Podemos usá-las para ajudar os países mais pobres a pagar pela reconstrução e recuperação dos impactos das mudanças climáticas que estão ocorrendo agora, como secas e inundações.

A África é responsável por menos de 4% das emissões globais de carbono, mas sofre de forma desproporcional os impactos da crise climática. 

Estima-se que 5 grandes empresas de petróleo devam aos países mais pobres ao menos US$ 8 trilhões em indenizações por danos causados pelas mudanças climáticas.

Em 2009, os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar conjuntamente US$ 100 bilhões por ano até 2020 para apoiar a ação climática nos países em desenvolvimento (desde então, esse compromisso foi estendido até 2025). Pode parecer muito, mas compare isso com os gastos militares mundiais em 2020, que foram estimados em pouco menos de US$ 2 trilhões.

E o dinheiro continua indo para os poluidores. Os investimentos em energia renovável estão crescendo, mas de janeiro de 2020 a março de 2021, mais dinheiro foi gasto globalmente em combustíveis fósseis. Para cada dólar prometido para combater a crise climática para os pobres do mundo, quatro dólares são gastos em subsídios aos combustíveis fósseis. 

Todos ganham com o combate à crise climática e à pobreza

O combate à mudança climática e à pobreza no Sul global é o caminho certo para benefícios e oportunidades em todo o mundo. Exemplos:  

  • Mundo Saudável; Pessoas Saudáveis

Ao reduzir a poluição do ar e implementar estratégias para uma descarbonização mais abrangente da economia indiana, a quinta maior do mundo, mais de 200.000 mortes prematuras podem ser evitadas até 2050. 

Um relatório recente também sugere que seguir esse caminho reduzirá as perdas econômicas em US$ 169 bilhões. Isso proporciona uma imensa oportunidade para os fabricantes de veículos elétricos e para as empresas que estão na vanguarda da tecnologia de armazenamento de baterias em outros países.

A Organização Mundial da Saúde afirma que 3,2 milhões de pessoas morrem prematuramente de doenças atribuíveis à poluição do ar doméstico, incluindo o uso de querosene para energia.

  • Luz para Todos

A pobreza energética ainda é a realidade de boa parte da humanidade nesta terceira década do século 21. Aproximadamente 600 milhões de pessoas na África não têm acesso à iluminação elétrica na rede, portanto, vivem na escuridão quando a noite cai. Isso faz com que a maioria dependa de lâmpadas de querosene, que não apenas poluem, mas também são extremamente perigosas.

Os projetos de energia solar renovável permitiram que milhões de famílias tivessem iluminação segura, um ponto de recarga para telefones e refrigeração para medicamentos. Essas iniciativas dependem de empresas de todo o mundo, podendo gerar ganhos em várias partes do globo simultaneamente. 

Atualmente, as economias emergentes e em desenvolvimento representam dois terços da população mundial, mas respondem por apenas um quinto do investimento global em energia renovável e um décimo da riqueza financeira global. 

  • Reciclagem de eletroeletrônicos

Dados divulgados em 2021 sugerem que a quantidade de resíduos eletroeletrônicos descartada por seres humanos todos os anos é de 57,4 milhões de toneladas, mais pesado do que a Grande Muralha da China.

O descarte de resíduos eletroeletrônicos contribui para a mudança climática e a poluição do ar devido aos produtos químicos liberados quando são queimados, um problema em países como Nigéria e Gana. Ao reduzir a fabricação desnecessária de novos produtos eletroeletrônicos por meio da reutilização, as emissões de carbono da nova produção são reduzidas em 90%.

A maior parte desta poluição vem das nações ricas, onde laptops, telefones, impressoras, televisores e tablets raramente são reciclados. No entanto, existe uma maneira de reutilizar produtos eletrônicos indesejados, o que cria oportunidades de negócios tanto no país de origem, quanto no país de destino, geralmente menos desenvolvido.

As mudanças em nossos sistemas financeiros globais não podem mais ser adiadas. Sem isso, continuarão perpetuando as condições que mantêm os países vulneráveis e seus cidadãos sob o ciclo de extrema pobreza e na linha de frente dos impactos climáticos.

Texto: Cinthia Leone, ClimaInfo

ClimaInfo, 22 de junho de 2023.

Clique aqui para receber em seu e-mail a Newsletter diária completa do ClimaInfo.