Financiar agricultura de baixo carbono é urgente para barrar avanço do desmatamento

No Matopiba, agricultura avança sobre mata nativa Crédito: Greenpeace

Embora a política de crédito agrícola do Plano Safra tenha ampliado recursos e incentivado boas práticas socioambientais, medidas ainda são consideradas limitadas para frear emissões no Brasil.

O Plano Safra 2023/2024, anunciado pelo governo federal na terça-feira (27/6), enseja um debate sobre o papel dos incentivos governamentais e subsídios para a transição para uma economia justa e de baixo carbono. Principal fonte dos gases de efeito estufa (GEE) do país, junto com as mudanças de uso de terra, a atividade agropecuária brasileira pode dar uma guinada e passar a agir como motor da redução das emissões de GEE que precisamos promover com urgência aqui e no mundo, inclusive com o combate ao desmatamento. 

O Brasil – sexto maior emissor de GEE do mundo – tem na mudança do uso do solo (incluindo desmatamento e conversão de florestas em pastagens) e na agropecuária as suas principais fontes dessas emissões. Somadas, elas correspondem a 70% do total de emissões do país.

Vale lembrar que a atividade agropecuária é uma das que mais depende da regularidade climática. Um plano de financiamento que alinhe o setor ao desafio de redução das emissões, portanto, é bom para o país e para o produtor. Por isso, é premente que a liberação de recursos financie a migração do atual modelo, que favorece uma agropecuária em escala industrial que ainda é baseada na expansão das áreas de produção para elevar sua produtividade. Esse modelo acaba alimentando a cadeia do desmatamento ilegal, cujas áreas desmatadas acabam se tornando pasto e, posteriormente, lavoura.

Segundo o Mapbiomas, entre 1985 e 2021, o Brasil perdeu 13% da vegetação nativa, entre florestas, savanas e outras formações não florestais. Esse território foi ocupado pela agropecuária, que responde por um terço do uso da terra no Brasil. Só no Cerrado, a área ocupada por lavouras de soja cresceu 1.443% no período. A produção de soja e a agropecuária ocupam uma área de 25 milhões de hectares do bioma, área semelhante à do Reino Unido.

Embora tenha ampliado e fortalecido incentivos a sistemas produtivos ambientalmente sustentáveis, com montante maior de recursos para linhas de crédito e redução de taxas de juros para o RenovAgro (antigo Plano ABC [Agricultura de Baixo Carbono]), o Plano Safra 2023/2024 ainda trata a migração para o baixo carbono como um item e não como a essência e a meta deste pacote de financiamento.

Ele ampliou o financiamento da agricultura e da pecuária, com recursos da ordem de R$ 364,22 bilhões – o maior alto valor já anunciado para o setor (27% superior aos R$ 287,16 bilhões do período anterior). Porém, manteve a tradição de dedicar apenas uma pequena parte para práticas sustentáveis, de baixas emissões, e para a restauração e conversão de áreas degradadas. Também é fato que diante da crise climática e do perfil das emissões brasileiras, isso não é suficiente, como apontam especialistas do setor.

Neste artigo da Folha, Isabel Garcia Drigo, gerente de Clima e Emissões do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), defende que o Plano Safra deve ser de “baixo carbono por inteiro”, e não apenas em linhas carimbadas específicas. Segundo ela, “a linha de crédito para a agricultura de baixo carbono representa, historicamente, menos de 2% do volume disponibilizado e foi modelada para financiar a transição e, prioritariamente, para investimentos. A aquisição de máquinas e o maior uso de tecnologia no campo são, sem dúvida, importantes, mas não suficientes para garantir que os modelos produtivos climaticamente mais eficientes estejam sendo implementados.”

Como soluções, o Imaflora e outras organizações recomendam ajustes em todas as linhas de crédito do Plano Safra na direção da agricultura de baixo carbono. Também a canalização do crédito de custeio para aplicação tanto em despesas perenes como em gastos pontuais. “Pode ser usado, por exemplo, para a compra de animais com o objetivo de ter matrizes de boa procedência para gerar um rebanho que emita menos metano”, sinalizou Isabel. 

Outro apontamento dos especialistas vai na direção da melhoria de indicadores do Banco Central, por meio do banco de dados Sicor (Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro), para a valorização e o incentivo a produtores rurais que adotam modelos de produção mais sustentáveis e que seguem o caminho da descarbonização, bem como a implantação de um sistema de indicadores socioambientais e um processo de monitoramento das práticas dos tomadores de crédito capazes de “identificar aqueles com maior potencial para gerar impactos socioambientais positivos, atrelando benefícios como melhores condições de financiamento, assistência técnica e seguro rural”.

Esse é o único caminho para a preservação dos biomas brasileiros, que prestam serviços ambientais fundamentais para a própria agropecuária. Sem água (ou com excesso dela) e sem clima favorável, ele está fadado a quebras de safra cada vez mais frequentes e intensas, segundo projeções do próprio Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Esse também é o caminho para a adaptação climática no Brasil, e a melhor resposta à pressão internacional e às condições comerciais cada vez mais exigentes em relação às boas práticas de preservação ambiental. 

A presença da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, no evento foi um lembrete de que é possível ampliar a produção agropecuária ao mesmo tempo em que se promove uma transição para uma agricultura mais sustentável.

Texto: Daniela Vianna

Revisão técnica: Silvia Dias

ClimaInfo, 28 de junho de 2023.

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