A relação complicada entre créditos de carbono, os territórios e seus habitantes

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Lalo de Almeida / Folhapress

A proteção de florestas envolve muito mais do que o estoque de carbono, e essa é uma lição que gente do mercado está tendo que aprender – às vezes na marra. E, dados os recentes escândalos envolvendo estes projetos, muitos estão tendo que refazer seus planos de negócio e voltar atrás em desenvolvimentos já em estágios avançados.

A Folha foca um problema que envolve um dos principais desenvolvedores de projetos de REDD+ (preservar florestas e trazer benefícios para populações locais), uma parte de uma comunidade indígena e o ministério público. A empresa, depois de reuniões com outros atores, declarou que estaria se retirando de projetos que envolvessem comunidades indígenas. Frustraram potenciais compradores, frustraram uma parte da comunidade, mas se esforçaram por preservar uma imagem de integridade e respeito.

A questão envolve o lema da OIT 169 – a consulta livre, prévia e informada às populações afetadas –, e o nó da questão é sempre a palavra “informada”. Projetos REDD+ são dos mais complicados e caros dentre os que compõem o mercado voluntário de carbono. Trabalhar para que as populações afetadas estejam plenamente informadas vai muito além de umas poucas reuniões.

Um detalhe que muitas vezes escapa aos legisladores, desejosos de regulamentar a atividade, como também mostra a Folha: o mercado voluntário surgiu à margem dos governos, envolvidos tempos atrás, com o Protocolo de Quioto. Um projeto de REDD+ pode ser registrado e receber créditos de carbono sem que o governo local sequer seja comunicado. Essa é uma das preocupações das negociações dos mecanismos contidos no Acordo de Paris – estes sim, exigindo a participação ativa dos governos.

Um dado pouco comentado: a certificadora Verra/VCS, a principal em projetos de REDD+, tem em seu portfólio cerca de 20 projetos brasileiros deste tipo apresentados antes de 2020. Nos últimos dois anos, surgiram mais de 60. É esse o apetite dos chamados “caubóis do carbono”, como relata a Sumaúma, que também reforça a proteção e o cuidado que comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas precisam receber do Estado e das organizações que se dedicam a seu bem estar.

Em tempo: Desde há muito a Petrobras e suas irmãs petroleiras aproveitam o gás fóssil que acompanha o petróleo para reinjetá-lo e, assim, extrair mais óleo. A conta é puramente econômica: enquanto for lucrativo, reinjeta-se. Caso contrário, e na ausência de gasodutos, simplesmente queimam o gás fóssil em flares ou geradores elétricos. Recentemente descobriram que isso recebeu o nome pomposo de CCS ou CCUS – em vez da queima, que libera gases de efeito estufa, enterram o gás para (quase) todo o sempre. E vêm tentando vender a ideia de que são preocupados com o clima e que essa reinjeção é benéfica para a humanidade. Isso, em bom Português, chama-se “greenwashing”. Agora, segundo o Valor, o Ministério de Minas e Energia quer capitalizar esse carbono que seria enterrado por ser lucrativo. No jargão do mercado de carbono, é algo claramente não adicional. Não merece crédito de carbono algum.

ClimaInfo, 29 de junho de 2023.

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