Cúpula da Amazônia: não basta zerar o desmatamento, temos que zerar também os combustíveis fósseis

Amazônia Livre de Petróleo e Gás
ClimaInfo

A rede de organizações Observatório do Clima demanda dos países da pan-Amazônia liderem o banimento gradual e urgente dos combustíveis fósseis em todo o mundo.

Proteger a Amazônia, a maior floresta tropical do planeta, exige ir além do combate ao desmatamento e ao crime ambiental. A sobrevivência da Amazônia também depende do banimento da produção e do consumo dos combustíveis fósseis em todo o mundo, já que a mudança climática provocada pela queima destes combustíveis ameaça destruir a floresta e afogar suas áreas costeiras.

A partir desta constatação, o Observatório do Clima propôs hoje aos chefes de estado dos países da Pan-Amazônia que liderem o necessário movimento global pelo banimento gradual e urgente dos combustíveis fósseis. 

Veja abaixo o posicionamento do OC dirigido à Cúpula da Amazônia, que reunirá os líderes dos países que detêm o bioma em seu território nos dias 8 e 9 de agosto de 2023 na cidade de Belém do Pará.

AMAZÔNIA LIVRE DE PETRÓLEO

A Cúpula da Amazônia, que reunirá os oito chefes de Estado dos países da região, nos dá uma oportunidade única para traçar objetivos claros e definir ações efetivas para a promoção do bem estar de suas populações e a defesa do bioma. 

Há 28 milhões de pessoas vivendo na parte brasileira da Amazônia bioma, da costa ao interior da floresta, fora outros tantos milhões nos países vizinhos. São citadinos, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, migrantes e outros povos tradicionais, que precisam ter acesso a saúde, educação de qualidade e um ambiente equilibrado, que precisam ser incluídos econômica e socialmente, que têm direito a uma vida digna. E que precisam também ter respeitados suas histórias e, principalmente, seus territórios.

Para isso, o combate ao desmatamento e às atividades ilegais – como o roubo de terras públicas, o garimpo ilegal, a retirada ilegal de madeira e outros crimes ambientais hoje relacionados com o crime organizado na região – é necessário e urgente. 

Contudo, proteger a maior floresta tropical do planeta exige ir além do combate ao crime. A sobrevivência da Amazônia também depende do banimento dos combustíveis fósseis em todo o mundo, já que a mudança climática provocada pela sua queima ameaça destruir a floresta e afogar suas áreas costeiras, como mostram trabalhos científicos recentes. De fato,a combinação entre mudança do clima e desmatamento já fez vastas porções da floresta deixarem de capturar carbono e tornarem-se fontes de CO2 para a atmosfera. Se o mundo continuar a queimar combustíveis fósseis, esse processo se espalhará pelo bioma.

Os governos da Pan-Amazônia têm uma oportunidade única em suas mãos: liderar as negociações globais pela limitação do aquecimento global a 1,5oC e fomentar uma discussão sobre como a humanidade se livrará dos combustíveis fósseis a tempo de evitar as piores consequências das mudanças climáticas – um avanço político que as negociações de clima ainda não conseguiram produzir. 

Existem razões ambientais para isso, dadas pela necessidade de preservar o frágil equilíbrio que mantém a floresta tropical, que é ameaçado localmente pelos impactos da exploração do petróleo e, globalmente, pelas mudanças climáticas.

Há também razões econômicas. Além de não promover o desenvolvimento social, a exploração de petróleo suga recursos que poderiam fomentar atividades sustentáveis, ao passo que deixa mazelas em seus territórios por décadas. Apenas no Brasil, a produção de combustíveis fósseis recebeu US$ 8,58 bilhões em subsídios em 2021, como mostra levantamento do Inesc. 

Além de subsidiada, a exploração de petróleo é uma atividade concentradora de renda, que enriquece os acionistas das petroleiras e deixa um rastro de destruição para as populações afetadas. Se não fosse assim, o Rio de Janeiro, sede da indústria do petróleo no Brasil, estaria em situação social e econômica muito melhor. A atividade é predadora e já demonstrou sua ineficiência, sobretudo para distribuir riquezas e gerar emprego e renda maciçamente. E podemos provar: com poucas exceções, os países que produzem mais petróleo não detêm bons índices de desenvolvimento humano. De modo geral, o que se vê nessas nações é concentração de renda na mão de poucos.

O petróleo impulsionou o desenvolvimento econômico de muitas nações no século XX, mas a consequência é o estrago do clima do planeta, especialmente grave para quem tem menos dinheiro no bolso e menos capacidade de adaptação, como povos indígenas e moradores de periferia. Neste julho de 2023, vimos recordes de temperatura média global serem quebrados seguidamente por vários dias. Presenciamos temperaturas de verão em pleno inverno na Argentina e no Uruguai e ondas recordes de calor no hemisfério norte, com mortes e impactos econômicos.

Os governos dos países amazônicos podem liderar o necessário abandono gradual, global e urgente dos combustíveis fósseis definindo uma meta para o fim de sua produção. A criação de uma zona de não proliferação da exploração de petróleo e gás na região e em suas águas, como sugere o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, pode ser um primeiro passo exemplar. Uma decisão inédita como essa servirá de exemplo a outras nações do planeta rumo à transição energética justa.

Isso é possível, porque deixar de produzir petróleo e gás fóssil na Amazônia não é sinônimo de sacrifício para a vida de suas populações. Pelo contrário.

O abandono da exploração de petróleo na região, se redirecionados os subsídios à atividade, criará oportunidades para o desenvolvimento de uma nova economia baseada na floresta em pé, incentivará o emprego e o respeito aos saberes originários, incluirá populações que raramente são lembradas e promoverá o aproveitamento das riquezas da floresta com base em sua conservação.

Não se trata de opinião, mas de números. Em maio, o Banco Mundial lançou um relatório sobre o desenvolvimento da Amazônia Legal brasileira mostrando que a preservação da floresta pode render, no mínimo, US$ 315 bilhões. A cifra equivale a cerca de sete vezes o valor que pode ser obtido com atividades econômicas tradicionais na região.

Um outro estudo, desenvolvido pelo WRI Brasil em parceria com 76 especialistas de instituições científicas de diversas regiões do país, reforça que manter a floresta de pé é uma oportunidade de crescimento qualificado e inclusivo para a região. A “Nova Economia da Amazônia”, baseada na bioeconomia, agregaria US$ 40 bilhões por ano ao PIB da Amazônia Legal a partir de 2050, com mais de 800 mil empregos, desmatamento zero e restauração de 24 milhões de hectares de floresta. Sem falar em 94% menos emissões líquidas e estoque de carbono 19% maior.

Para liderar o tão necessário banimento dos combustíveis fósseis em todo o mundo, os governos da Pan-Amazônia devem:

– definir uma data para o fim da produção dos combustíveis fósseis;

– parar de ofertar novos blocos à exploração de petróleo e gás na região;

– parar de subsidiar a produção desses combustíveis;

– redirecionar os subsídios hoje dados aos combustíveis fósseis para o fomento da produção sustentável de produtos da floresta e da costa amazônica a partir da energia renovável; e

– cobrar das nações industrializadas que não mais subsidiem nem ofertem blocos para a exploração de petróleo.

É evidente que vivemos um momento decisivo da transição energética. Contudo, não se pode tentar justificar o aumento da exploração de petróleo e gás fóssil como necessário para financiar a transição energética global rumo a fontes renováveis de energia. A indústria petrolífera é uma das mais subsidiadas por governos em todo o planeta. Se tais benefícios fossem alocados para fontes renováveis, a substituição dos combustíveis fósseis já estaria em fase muito mais adiantada.

A Amazônia não precisa da produção de petróleo. E o momento de mostrar isso é agora.

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O Observatório do Clima (OC) é uma rede de 78 organizações da sociedade civil brasileira focada nas mudanças climáticas globais.

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ClimaInfo, 4 de agosto de 2023.

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