Voto de Moraes contra marco temporal dá brechas para premiar invasor e traz insegurança jurídica aos indígenas

STF voto marco temporal
APIB

Parecer aponta para propostas “incompatíveis com a Constituição” em voto do ministro Alexandre de Moraes contra tese do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). 

Na véspera da retomada do julgamento sobre a constitucionalidade do marco temporal para demarcação de Terras Indígenas, a Comissão Arns divulgou ontem (29/8) um parecer elaborado pelo professor Daniel Sarmento, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), sobre o voto do ministro Alexandre de Moraes. Segundo a análise, a despeito de apontar a inconstitucionalidade da tese, o voto apresenta medidas que podem gerar “graves danos” aos direitos dos Povos Indígenas, à segurança jurídica e à proteção do meio ambiente.

A análise questiona a proposta de indenização prévia, na qual a União pagaria aos ocupantes não indígenas das terras “em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, tanto em relação à terra nua quanto às benfeitorias necessárias e úteis realizadas”. Segundo Sarmento, a indenização da terra nua na demarcação foi “expressamente vedada” pela Constituição e a proposta de Moraes resultaria em gastos expressivos que poderiam atrasar ainda mais o processo de demarcação de novas áreas.

Outra proposta questionada é a concessão de terras equivalentes aos Povos Indígenas afetados, sob os requisitos do “interesse público” e da “paz social”. A análise argumenta que a proposição não possui fundamento constitucional e “não se sustenta, diante da natureza espiritual da relação dos indígenas com seu território tradicional, o que torna a respectiva área absolutamente infungível”.

A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha disse a’O Globo que o “voto de conciliação não traz paz jurídica (…) [O voto] teve a virtude de rejeitar a tese do marco temporal, mas por outro lado trouxe condições que tornam praticamente inviável a demarcação de Terras Indígenas, cujos reais titulares não estavam [no território] no dia 5 de outubro de 1988”.

Em paralelo, técnicos do STF também concluíram que o voto de Moraes, em especial a proposta de indenização da União a produtores rurais que adquiriram legalmente terrenos em áreas indígenas, precisará ser “modulado” para aplicação em outros casos. Um dos pontos assinalados pela Folha é o de territórios regularizados por governos estaduais; a interpretação é que a União não deveria se responsabilizar pelo ressarcimento.

Em tempo: A Piauí publicou três “matérias sobre o marco temporal, “a tese que, se aprovada, mudará o destino dos Povos Indígenas do Brasil.” Os textos de Bernardo Esteves (O futuro nas mãos do STF),  Micheliny Verunschk (A guerra contínua) e Meghie Rodrigues (Sua casa não vai ser tomada para virar Terra Indígena) são essenciais para o entendimento do que significa o “julgamento do século” para as nossas populações originárias.

 

ClimaInfo, 30 de agosto de 2023.

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