Com estiagem extrema, fogo na Amazônia ultrapassa áreas desmatadas e ataca floresta úmida

Amazônia incêndios florestais
Alex Pazuello/Secom

Embora número de focos de queimadas tenha caído em relação a 2022, fogo deste ano apresenta uma peculiaridade: está ultrapassando os limites de áreas desmatadas.

Reflexo do fenômeno El Niño e do aquecimento incomum das águas do Atlântico Norte – este último, um efeito possível das mudanças climáticas –, o tempo quente e seco na região Norte este ano está criando condições propícias para a formação de incêndios florestais no bioma Amazônia. Até então, esse tipo de incidente costumava ser incomum na região.

Valor e Globo Rural destacam que o número de focos de queimadas registradas na Amazônia pelos sistemas de monitoramento caiu em relação a 2022. No entanto, a característica do fogo que atinge a região este ano apresenta uma peculiaridade: está ultrapassando os limites de áreas desmatadas.

“Antes o fogo na floresta amazônica estava sempre muito associado à degradação florestal e ao desmatamento. Esse contexto ainda existe, o fogo ainda é utilizado para abertura de novas áreas, mas o que nos chama atenção é a forma como que ele está se propagando também em áreas de florestas primárias”, alerta Lawrence Nóbrega de Oliveira, chefe da Divisão de Monitoramento e Combate ao Fogo do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais do IBAMA.

O novo e preocupante cenário já havia sido destacado pelo presidente do órgão ambiental, Rodrigo Agostinho, em entrevista ao Amazônia Real. “A seca está tão intensa que a gente começou a ter fogo em floresta, sim, não apenas em áreas desmatadas”, alertou.

Oliveira explica que o fogo em áreas de floresta úmida e tropical é incomum, mas tem sido favorecido pelo contexto climático. Com a baixa umidade, a serrapilheira – camada vegetal de folhas que caem das árvores e se depositam sobre o solo – torna-se mais seca, favorecendo a propagação de incêndios, que podem começar com uma faísca vinda de queimadas próximas.

O “novo anormal” da seca extrema favorecendo a propagação de incêndios florestais na Amazônia poderá alterar a tradicional prática indígena de manejo do fogo para abrir roçados. Em setembro, o Povo Sateré-Mawé, com território no médio rio Amazonas, na divisa entre Amazonas e Pará, sofreu o maior incêndio já registrado na história da comunidade. Ao todo, 90 hectares foram destruídos pelas chamas após o fogo usado no manejo das roças sair de controle, relata o Valor.

“Temos mais de 2,1 mil brigadistas distribuídos em todo o país nas Terras Indígenas consideradas de maior risco, e nunca tínhamos sido acionados por problemas nesse território. E o que chegou para gente era um desespero completo”, conta Lawrence Nóbrega de Oliveira.

Com os incêndios florestais ganhando força na Amazônia, o especialista do IBAMA avalia que comunidades indígenas precisarão revisar suas práticas tradicionais de manejo do fogo, adaptando-as a eventos climáticos extremos como a seca que atinge a região neste momento. O mesmo deve ser feito também para quem maneja pasto com fogo.

Em tempo: Levantamento inédito da Agência Pública mostra que 50 empresas são “os donos da água” no Brasil. Esses grupos empresariais que têm direito a usar mais água de fontes federais no país concentram nada menos do que 5,2 trilhões de litros por ano. É água suficiente para abastecer, por um ano, 93,8 milhões de pessoas – mais de 46% da população brasileira, de acordo com o Censo 2022. A lista inclui gigantes do agronegócio, do setor sucroalcooleiro e do papel e celulose, entre outras companhias que pouco ou nada pagam para captar os trilhões de litros que são base para seus negócios. As empresas estão espalhadas por 139 municípios de 19 estados, nas cinco regiões do país, sendo que mais da metade da água autorizada está concentrada em Minas Gerais, Bahia e São Paulo.

 

ClimaInfo, 27 de outubro de 2023.

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