Cientistas questionam estudo polêmico que aponta para aquecimento de 2ºC já em 2030

aquecimento global 2 graus
Clark Sherman

O estudo utilizou amostras de esponja para estimar que aquecimento desde o final do século XIX já supera 1,5ºC; especialistas alertam para “exagero” em conclusões.

Um novo estudo publicado nesta semana na revista Nature Climate Change provocou polêmica entre cientistas climáticos. A análise, feita por um grupo de pesquisadores da Austrália e dos Estados Unidos, utilizou amostras de uma esponja marinha no Mar do Caribe, nas Antilhas, para estimar o aquecimento desde 1700 até os dias atuais. Segundo os autores, o aumento médio da temperatura global foi de 1,7ºC no período, meio grau centígrado acima do estimado pelo IPCC.

O estudo analisou seis exemplares de Ceratoporella nicholsoni, uma espécie de esponja que pode levar centenas de anos para crescer entre 10 e 15 centímetros, retiradas de áreas ao longo da costa de Porto Rico e das Ilhas Virgens Americanas. À medida que essas esponjas crescem, elas armazenam estrôncio e cálcio numa proporção que se relaciona diretamente com a temperatura da água ao seu redor.

O aquecimento apontado pelo estudo sugere que o planeta já superou a meta de 1,5ºC de limite para o aumento da temperatura global definida pelo Acordo de Paris. Além disso, a análise também indica que a trajetória de aquecimento para os próximos anos já vislumbra que o limite de 2,0ºC, tratado pelo Acordo de Paris como máximo para o aquecimento global neste século, pode ser batido muito antes disso, em 2030. 

As conclusões dos autores, no entanto, foram recebidas com cautela por muitos cientistas climáticos. Para esses pesquisadores, a estrutura do estudo é enganosa, já que o período analisado pelo artigo não é o mesmo comumente utilizado em pesquisas sobre o aquecimento global – em geral, a partir de meados do século XIX, quando se inicia a fase mais intensa da Revolução Industrial.

“[O estudo] não significa que os impactos das mudanças climáticas ocorrerão mais cedo do que o esperado”, comentou Richard Betts, chefe de pesquisa de impactos climáticos do Hadley Center do Met Office britânico, ao Carbon Brief. Já Yadvinder Malhi, da Universidade de Oxford, criticou a “falha” implícita na comunicação do estudo, que pode causar “confusão desnecessária ao debate público” sobre o clima.

“Sou extremamente cético em relação à ideia de que podemos anular o registro instrumental da temperatura da superfície global com base em paleo-esponjas de uma região. Para mim, [o estudo] nem passa no teste do cheiro”,  ironizou o cientista Michael Mann, da Universidade da Pensilvânia (EUA), ao Guardian.

Já o diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, Gavin Schmidt, considerou válida a adição das esponjas como instrumento de registros paleoclimáticos, mas recomendou precaução “ao presumir que os indicadores de uma parte do Atlântico refletem sempre a média global”.

O estudo e as críticas dos cientistas tiveram grande repercussão na imprensa internacional, com destaques na ABC News, CNN, Financial Times, Independent, New Scientist e NY Times. O UOL também abordou o assunto.

 

ClimaInfo, 6 de fevereiro de 2024.

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