Uber e Audi usaram créditos de carbono de área com trabalho escravo e desmatamento

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HaeB / Wikipedia CC 4.0

Em junho de 2023, 16 trabalhadores contratados para devastar área foram resgatados na Fazenda Sipasa, da Sipasa Seringa Industrial do Pará, em Moju, no Pará.

No mundo corporativo do ESG – sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança –, a descarbonização de operações, consumo energético e produtos virou uma condição para as empresas se mostrarem “sustentáveis”. Quando não conseguem zerar suas emissões, as corporações apelam a créditos de carbono para compensar o que não pôde ser abatido.

Seria útil, não fosse pelo crescente número de fraudes ligadas a projetos de créditos de carbono. E uma das regiões onde essas irregularidades mais vêm acontecendo é a Amazônia brasileira.

A Repórter Brasil mostra que Audi, Uber e outras 20 empresas compensaram emissões usando créditos de carbono falsos de uma área onde houve flagrante de trabalho escravo e desmatamento no Pará. Em junho de 2023, 16 trabalhadores foram resgatados na Fazenda Sipasa, da Sipasa Seringa Industrial do Pará, em Moju. Eles haviam sido contratados para derrubar 477 hectares de vegetação nativa em área da fazenda pertencente ao Projeto Maísa – que era remunerado por manter a floresta em pé. 

Os créditos de carbono gerados pelo Maísa e usados entre 2020 e 2023 equivalem a cerca de US$ 6 milhões, segundo a consultoria AlliedOffsets, de Londres, cuja metodologia se baseia em preços de mercado. A área a ser protegida englobava um total 26 mil hectares na Amazônia – incluindo a Fazenda Sipasa, informa o Brasil de Fato.

Audi e Uber usaram os créditos do projeto após o resgate dos trabalhadores. Outras marcas fizeram o mesmo, mas antes da descoberta do trabalho análogo à escravidão. São os casos do iFood, que compensou as emissões de carbono de blocos de carnaval patrocinados pela empresa; Giorgio Armani Spa, que usou os créditos do Projeto Maísa para neutralizar as emissões de um desfile da grife em Dubai; e Nike, que usou créditos da área em suas operações.

Questionadas, a Uber afirmou que investe apenas em projetos “certificados, rastreáveis e auditáveis” por organizações reconhecidas internacionalmente. A Audi disse que irá “acompanhar seriamente as informações”, mas que não poderia fornecer mais esclarecimentos. E a Verra, organização certificadora do projeto e que já esteve envolvida em outros escândalos, informou que decidiu “inativar, de imediato, o projeto”.

Outro exemplo de irregularidade vem do Projeto Jari/Pará, parceria entre a Jari Celulose e a Biofílica Ambipar Environmental Investments, na região de Almeirim, no Pará, detalha o De Olho nos Ruralistas. O projeto da Jari Celulose, que está em recuperação judicial, abrange 58 comunidades que vivem da agricultura camponesa e da venda de açaí e castanha do Pará.

Para a maioria das pessoas, era uma oportunidade de renda extra. Alguns anos após o início da parceria, as famílias receberiam cerca de R$ 5 mil. Como contrapartida, deveriam usar, no máximo, 20% das terras dos lotes onde cultivam açaí, castanha do Pará e plantam suas roças de mandioca, milho e outros alimentos. O restante deveria ter a vegetação preservada.

O pagamento, porém, nunca chegou. As atividades do Jari/Pará estão suspensas desde 2023 e o projeto é alvo de ações da Procuradoria Geral do Estado do Pará (PGE-PA) e do Ministério Público do Pará (MPPA), que questionam a autenticidade dos títulos de propriedade de parte das terras da Jari Celulose.

O dinheiro não chegou aos camponeses, mas encheu o caixa das empresas. Entre 2019 e 2023, o projeto Jari/Pará vendeu mais de 900 mil créditos de carbono para grandes e pequenas companhias nacionais e internacionais, como BMW, Banco BTG Pactual e Telefônica Brasil. A receita foi de cerca de R$ 22 milhões, considerando um valor médio de US$ 5 para a tonelada de carbono. Mas, na comunidade Nova Vida, uma das participantes do projeto, os moradores até hoje aguardam notícias do contrato assinado anos atrás. 

 

 

ClimaInfo, 20 de fevereiro de 2024.

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