A Petrobras, enfim, vai se transformar em uma empresa de energia?

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Com Rafael Dubeux no conselho de administração, estatal pode deixar de ser uma exploradora de combustíveis fósseis para se tornar uma líder em energia renovável.

Os últimos dias têm sido bastante movimentados para a Petrobras e o governo federal. Mesmo com a estatal registrando em 2023 o 2º maior lucro líquido em seus 70 anos – 124,6 bilhões de reais –, a decisão da empresa de não distribuir dividendos extraordinários gerou uma gritaria generalizada no mercado financeiro, derrubou suas ações e causou rumores de que seu presidente, Jean Paul Prates, poderia ser demitido. 

Mais do que uma briga por lucros, o burburinho provocado por rentistas esconde uma disputa muito maior. E que não envolve só a Petrobras, mas toda a política energética brasileira. 

De um lado está quem quer que a estatal produza combustíveis fósseis “até a última gota”, transformando o quanto antes suas reservas de petróleo e gás fóssil em dinheiro. E que se dane o planeta com as emissões de gases de efeito estufa vindas da queima dessas reservas – e os imensos prejuízos sociais, ambientais e financeiros que toda a economia do Brasil terá com isso. 

Do outro está quem cobra uma virada de chave para ontem da empresa rumo a fontes renováveis. Não é só “descarbonizar” operações, como a companhia vem fazendo, mas transformar de vez a Petrobras de uma petroleira, focada apenas ou majoritariamente em combustíveis fósseis, em uma empresa de energia. Uma empresa realmente engajada na transição energética, investindo muito mais em energia eólica e solar para substituir o petróleo e o gás fóssil do seu negócio principal (core business).

E onde isso se encontra a política energética brasileira? É simples: o governo federal é o controlador da Petrobras, que é a maior empresa brasileira da área de energia. Por mais que os demais acionistas gostem de gritar e reclamar de “intervenção”, quem é dono da maioria das ações ordinárias, que dão poder de mando na petroleira, é o governo federal. E suas decisões sobre a Petrobras estão, sim, intimamente ligadas com o que planeja para o cenário energético do país. 

Desde que Jean Paul Prates assumiu a presidência da Petrobras, a transição energética entrou no vocabulário do comando da empresa. Até mesmo uma diretoria dedicada ao tema foi criada. Mas, mais de um ano depois, até agora a virada da petroleira para uma empresa de energia ficou na fala. Ainda mais com a insistência da petroleira em licenciar a perfuração de um poço para exploração de petróleo e gás fóssil na Foz do Amazonas. 

Sim, temos de reconhecer que no atual Plano de Negócios da Petrobras, para o período 2024-2028, a companhia dedica US$ 11,5 bilhões para descarbonização. Uma cifra inédita e que representa 11% dos investimentos totais previstos para o período. Mas quase todo o resto vai continuar indo para exploração e produção de combustíveis fósseis. Uma sujeira sem fim. E pior: com alguns integrantes do governo insistindo na ideia de que é preciso mais petróleo e gás fóssil para “financiar” a transição energética.

Por isso, diante desse conflito, a indicação para o conselho de administração da Petrobras de Rafael Dubeux, secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, pode ser um marco efetivo para a “Petrobras Energia”. Dubeux é um dos responsáveis pelo Plano de Transformação Ecológica, um dos carros-chefe do governo Lula rumo a uma economia descarbonizada. E o ministro Fernando Haddad, confirmou que a indicação daria uma “esverdeada” na estatal.

Prova disso é que Dubeux vai substituir no conselho um nome indicado pelo Ministério de Minas e Energia (MME). E é público e notório que o titular da pasta, Alexandre Silveira, é do grupo do “até a última gota de petróleo”. 

Silveira é um ferrenho defensor da exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas, ignorando a altíssima sensibilidade socioambiental da região e a necessidade urgente do planeta de reduzir as emissões de gases de efeito estufa para tentar frear as mudanças climáticas. E como bem lembrou o jornalista André Trigueiro, chegou a negar a correlação entre as emissões resultantes da queima dos combustíveis fósseis com a crise climática. Isso em plena Cúpula da Amazônia, quando a sociedade civil organizada conseguiu colocar a eliminação dos combustíveis fósseis na pauta do encontro.

É verdade que o próprio Plano de Transformação Ecológica, do qual Dubeux é um dos idealizadores, ainda não mostrou direito a que veio. Mas ter alguém tão voltado para a transição energética no colegiado de decisões de uma petroleira como a Petrobras – sua tese no doutorado de Relações Internacionais da UnB tratou da inovação em energia de baixo carbono – é um alento. 

Pode ser um indicativo de que a visão de um desenvolvimentismo do século passado, exploratório, que causou tantos estragos socioambientais em todo o mundo e também no Brasil, está chegando ao fim no governo Lula. Não se trata de uma disputa ideológica, mas da nossa sobrevivência neste planeta.

Mas, para isso, a atuação de Dubeux tem de marcar efetivamente uma mudança de fato na atuação da Petrobras. De nada adianta se o secretário do Ministério da Fazenda for apenas mais um a repetir as narrativas vazias e contraditórias do comando da petroleira em relação à transição energética. O Plano de Transformação Ecológica precisa virar realidade, e a Petrobras é peça fundamental nesse processo.

 

 

ClimaInfo, 13 de março de 2024.

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