Lei do marco temporal já trava novas demarcações, afirma Sonia Guajajara

Lei do marco temporal demarcações Sonia Guajajara
Fabio Rodrigues/ Agência Brasil

Diante do cenário político adverso, ministra admite dificuldade de cumprir promessa do presidente Lula de demarcar todas as Terras Indígenas até fim de seu mandato.

O Abril Indígena, mês que marca a luta dos Povos Originários, começa com o processo de demarcações de Terras Indígenas “travado” pela lei do marco temporal, afirma em entrevista à Agência Pública a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. Entre outras atrocidades contra os Povos Indígenas, a norma estabelece a data de promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988, como parâmetro para a homologação de TIs pelo governo.

A adoção do marco temporal se contrapôs a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que havia rejeitado a tese em setembro, o que criou um imbróglio jurídico. O governo espera que a Corte derrube a lei, cuja aprovação no Congresso foi patrocinada pela bancada ruralista. Três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) com esse objetivo tramitam no STF, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes.

Mas, diante do cenário político adverso no parlamento, a ministra admite que se torna distante o cumprimento da promessa feita pelo presidente Lula de demarcar todas as terras até o fim do seu mandato. “Não dá para eu, enquanto ministra, garantir que em dois anos e oito meses se vá demarcar todas as Terras Indígenas no Brasil, já que o passivo é muito grande”, disse Sonia.

Enquanto espera o STF, o governo tenta contornar, ao menos em parte, os atritos com o agronegócio na disputa por áreas reivindicadas pelos Povos Indígenas. Segundo a ministra, uma estratégia em estudo é viabilizar um modelo para indenizar proprietários de imóveis incidentes sobre as TIs pelo valor do terreno, a “terra nua”, e não apenas pelas benfeitorias realizadas na propriedade, como determina a Constituição. A medida é encampada pelos parlamentares ruralistas, mas não agrada o movimento indígena.

Diante do impasse e das duras negociações políticas, duas situações recentes comprovam os efeitos perversos da lei do marco temporal.

Na semana passada, o plenário do STF derrubou a decisão do ministro Edson Fachin que permitia a FUNAI retomar o processo de demarcação da TI Tekoha Guasu Guavira, em Guaíra, no oeste do Paraná, área que tem sido alvo de conflito entre indígenas e agricultores, informam g1 e Estadão. Em nota, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) disse que “a decisão resguarda a segurança jurídica e impede, ainda, que procedimentos arbitrários sejam adotados por qualquer governo ou instituição pública, devendo a FUNAI respeitar a lei do marco temporal aprovada pelo Congresso Nacional”.

Já no extremo sul da Bahia, uma área ocupada há séculos pelo Povo Pataxó pode ir a leilão por decisão da Justiça Federal para pagar multas ambientais do empresário e cônsul honorário de Portugal no Brasil, Moacyr Costa Pereira de Andrade, relatam Brasil de Fato, Carta Capital e Revista Fórum. Acusado de grilar Terras Indígenas, Andrade entrou em disputa com os Pataxó, afirmando que o território faz parte da Fazenda Itaquena, de sua propriedade.

Desde o final de 2023, a fazenda está indicada pela Justiça para ser leiloada no âmbito de um processo de execução de multas ambientais contra Andrade. As multas devidas ao ICMBio somam cerca de R$ 36 milhões. Em 2020, a fazenda foi avaliada em R$ 82,8 milhões.

“Essa área é de uma riqueza ambiental gigante! A gente não compreende como que, para pagar por um crime ambiental, se comete outro crime ambiental e ainda um crime contra um Povo”, afirma Kâhu Pataxó, presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT).

Kâhu explica que o Povo Pataxó já notificou a Justiça Federal de que existe uma comunidade indígena que ocupa tradicionalmente o território. Também solicitaram à FUNAI que dê prosseguimento ao processo de demarcação, bem como ingresse como parte no processo contra o empresário.

Em tempo: Em meio a tantos revezes, duas boas notícias trazem um alento à luta por reconhecimento e Direitos dos Povos Indígenas. Na 6ª feira (5/4), a UERJ aprovou a concessão do título de Doutor Honoris Causa à ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. É a primeira vez que a instituição concede a honraria a uma pessoa indígena, informam Folha, Carta Capital e Revista Cenarium. O relatório que embasou a decisão pelo título afirma que a homenagem “permite reconhecer o conhecimento indígena como um saber autêntico e extremamente importante para o povo brasileiro”. No mesmo dia, o ambientalista, filósofo e poeta Ailton Krenak tomou posse na Academia Brasileira de Letras (ABL). Ele é o primeiro indígena a ocupar uma cadeira na ABL, destacam Folha, g1, Brasil 247, Correio Braziliense e Agência Brasil. “Desde que me convidaram ou me animaram para ocupar essa cadeira número cinco, eu me perguntava: ‘Será que nessa cadeira cabem 300?’. Como dizia Mário de Andrade, eu sou 300. Olha que pretensão. Eu não sou mais do que um, mas eu posso invocar mais do que 300. Nesse caso, 305 Povos, que nos últimos 30 anos do nosso país, passaram a ter a disposição de dizer: ‘Estou aqui’. Sou guarani, sou xavante, sou caiapó, sou yanomami, sou terena”, disse Krenak.

 

 

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ClimaInfo, 8 de abril de 2024.

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