Negligência em prevenção a desastres climáticos custará caro à economia brasileira

enchentes RS custo Brasil
Mauricio Tonetto/Secom

Enquanto o Brasil patina em medidas preventivas, por estrangulamento orçamentário e baixa execução, os custos dos desastres climáticos podem custar bilhões de reais ao país. 

É como diz o ditado: “o barato sai caro”. O desastre causado pelas chuvas no Sul do Brasil mostrou como o país segue lento na adaptação de suas cidades às mudanças climáticas. Por falta de verba ou por baixa execução desses recursos limitados, os gaúchos acabaram mais vulneráveis a esse evento extremo e agora enfrentam um cenário apocalíptico, inclusive para sua economia, com um prejuízo na casa dos bilhões de reais.

O g1 destacou que menos de 20% do orçamento reservado pela União em 2024 para prevenção e combate a desastres naturais – apenas R$ 494 milhões dos R$ 2,6 bilhões sob essa rubrica – tinham sido executados até o último dia 2. De acordo com a Contas Abertas, que fez o levantamento, a baixa execução tem sido a marca nos últimos 15 anos: de 2010 a 2024, apenas 65% do total de R$ 70 bilhões reservados para o enfrentamento de eventos climáticos foram efetivamente gastos pelo governo federal.

No Congresso Nacional, a falta de atenção dos parlamentares para ações de prevenção de desastres climáticos é gritante. O Valor mostrou, também com dados da Contas Abertas, que as emendas apresentadas por deputados e senadores para medidas desse tipo somaram míseros R$ 59,2 milhões em 2024. Essa cifra corresponde a apenas 0,13% dos R$ 44,7 bilhões reservados no Orçamento para emendas parlamentares.

Mais gritante ainda é a omissão do governo do Rio Grande do Sul, que ignorou estudos técnicos pagos com dinheiro do contribuinte que poderiam ter reduzido o impacto das chuvas dos últimos dias no estado. Um exemplo apontado pela Agência Pública é o estudo para o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE). O trabalho, que demorou mais de quatro anos para ser elaborado, trata da organização do território e definiu medidas e padrões de proteção ambiental. No entanto, ele nunca saiu do papel.

O fracasso do poder público na prevenção do desastre resultou em prejuízos ainda incertos, mas que dificilmente ficarão abaixo dos muitos bilhões de reais. O Valor destacou projeções que indicam uma queda de 0,2% a 0,3% no crescimento do PIB brasileiro em 2024, em especial pelos efeitos das chuvas no RS sobre o agronegócio.

O governo federal já espera por efeitos colaterais do desastre no RS na economia nacional. Em conversa com O Globo, o secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, reconheceu que a atividade econômica e o nível dos preços devem ser impactados pela crise gaúcha.

Como o g1 pontuou, a destruição das lavouras de soja no RS pode elevar não só o preço do óleo, mas também o de produtos como carne de frango e de porco. Antes das chuvas, ainda faltava a colheita de cerca de 30% da safra esperada no estado, cerca de 20 milhões de toneladas; agora, a expectativa é de que as chuvas tenham arruinado de 2,5 milhões a 5 milhões de toneladas de soja.

“O custo da inação é sempre maior [que o da ação climática]. Investindo em medidas, principalmente as mais precoces, você pode até pagar caro em algumas situações e pode ser que nem precise usar essas medidas depois, mas, se o evento extremo vier, não vão ser gastos bilhões reagindo ao desastre – isso sem contar as perdas não econômicas”, explicou Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, à Folha.

Em tempo: As chuvas históricas no Sul não surpreenderam um grupo de analistas que, há dez anos, já projetavam a possibilidade de eventos desse tipo ocorrerem no Brasil. O grupo foi responsável pelo programa “Brasil 2040”, uma iniciativa criada em 2013 pela antiga Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República para analisar os impactos das mudanças climáticas no país e desenhar medidas de adaptação. Infelizmente, o programa foi encerrado sem cerimônias em 2015, quando a SAE foi assumida por Roberto Mangabeira Unger.

“O trabalho foi interrompido no momento em que a gente passava do diagnóstico para as medidas de adaptação”, lamentou Natalie Unterstell, que participou do programa, à BBC Brasil. “Os estudos nunca foram publicados. Fizeram um sumário executivo com pessoas que não tinham ligação com os estudos. Foi um negócio jogado fora”.

 

ClimaInfo, 13 de maio de 2024.

Clique aqui para receber em seu e-mail a Newsletter diária completa do ClimaInfo.