
Estados Unidos e Reino Unido estão entre as nações mais ricas do planeta que lideram onda de expansão dos combustíveis fósseis, apesar das metas climáticas.
“Faça o que eu digo, não o que eu faço”. O dito popular resume o modo de ação dos países mais ricos do mundo em relação à necessária e urgente eliminação dos combustíveis fósseis da matriz energética global.
As nações mais ricas do mundo lideram uma onda de expansão dos combustíveis fósseis apesar de seus compromissos climáticos, mostram dados analisados pelo Guardian, em uma série de reportagens chamada “Os outros petroestados”. Esse aumento da exploração de petróleo e gás fóssil em 2024 pode liberar quase 12 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera, volume similar às emissões anuais da China. A projeção inclui licenças concedidas a partir de junho, bem como os blocos de petróleo e gás abertos para licitação, em avaliação ou planejados, e se baseia em dados do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD).
Nenhum país no planeta produziu tanto petróleo e gás na história como os EUA produzem agora, destaca o Guardian. E o estado da Louisiana é o marco zero dessa trajetória. “Não temos uma costa do Golfo nos EUA”, disse John Allaire, engenheiro aposentado da indústria petrolífera. “Temos a costa leste, a costa oeste e a costa do carbono. Esta é simplesmente uma zona de sacrifício para a indústria de petróleo e gás”, reforçou.
Em St. Rose, uma comunidade predominantemente negra no chamado “Beco do Câncer” da Louisiana, Kimbrelle Eugene Kyereh fez campanha por uma melhor regulamentação da expansão sufocante de instalações de combustíveis fósseis e petroquímicas que cercam o local — e inúmeras outras comunidades ao longo do Rio Mississippi, ressalta o Guardian. Foi a primeira vez que os moradores de St. Rose tiveram que lidar com uma instalação química tóxica que promete capturar CO2 do ar e que deve se beneficiar de subsídios e créditos fiscais supostamente projetados para enfrentar a emergência climática. Kimbrelle informou aos vizinhos que investidores internacionais querem construir uma usina de amônia “azul” e hidrogênio “limpo” no mesmo local de um terminal de armazenamento e exportação de petróleo bruto que, segundo os moradores, emite gases que dificultam a respiração.
Nada é muito diferente no vizinho Canadá. O Guardian lembra que quando Justin Trudeau foi eleito em 2015, apregoou as credenciais climáticas de seu governo no cenário mundial. “O Canadá está de volta”, disse aos delegados na cúpula do clima de Paris. Seu governo lançou um imposto nacional sobre o carbono. Mas, nos anos seguintes, o Canadá continua sendo o único país do G7 a emitir gases de efeito estufa muito acima dos níveis de 1990 – enquanto agora também planeja extrair e exportar volumes recordes de petróleo.
Editor de meio ambiente global do Guardian, Jonathan Watts chama atenção para a hipocrisia desses países e questiona a definição clássica de petroestado, baseada na dependência em relação aos combustíveis fósseis. Afinal, as nações ricas que poderiam eliminá-los dobram os investimentos nessa energia suja.
“Essa definição livra muitos grandes produtores de petróleo, particularmente as potências industriais predominantemente brancas, como EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália. Esses países têm uma pesada responsabilidade histórica pelo aquecimento global, mas têm economias modernas mais diversificadas. Como resultado, sua dependência fiscal dos combustíveis fósseis é baixa. Mas isso disfarça outras formas de influência econômica e política, por meio de financiamento de campanha, gastos com relações públicas e lobby de think tanks. De certa forma, essas são mais perniciosas, porque criam dependências ocultas e distorções antidemocráticas.”
Tessa Khan, diretora executiva da Uplift, reitera no Guardian que é fácil para os autoproclamados “líderes climáticos” culparem os petroestados enquanto alimentam a crise do clima. “Cerca de metade de todos os desenvolvimentos de petróleo e gás até 2050 serão sancionados por governos ricos que se posicionam como líderes climáticos: EUA, Canadá, Austrália, Noruega e Reino Unido. São os países que gostam de pensar em si como os mocinhos que estão impulsionando a crise climática”, destacou.
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ClimaInfo, 31 de julho de 2024.
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