O mesmo Lula que vê o mundo esperar liderança do país na luta contra a crise climática defende explorar combustíveis fósseis na foz do Amazonas.
Entre os Mura de Sissaíma, pequena Terra Indígena à espera de demarcação na região de Careiro da Várzea, no leste do Amazonas, praticamente ninguém sabe da existência de um projeto de exploração de petróleo e gás fóssil no bloco AM-T-107. A área foi arrematada pela Atem Participações no “Leilão do Fim do Mundo”, promovido pela ANP no fim de 2023 com este e outros 4 blocos no coração da Amazônia. Se o projeto sair do papel, será a nova frente de embate dos quase 200 indígenas que vivem nesse ponto da Amazônia ocidental.
Os cinco blocos impactam Unidades de Conservação e Comunidades Tradicionais, algumas dentro das áreas dos blocos, como apontou o Ministério Público Federal (MPF) em laudos de perícia e em ação civil pública que pede que a Justiça Federal no Amazonas anule a concessão dos blocos, lembram Vinicius Sassine e Lalo de Almeida na Folha. Ainda assim, as áreas foram ofertadas. E arrematadas.
A oferta de blocos de petróleo e gás na Amazônia se soma à pressão do governo federal – inclusive do presidente Lula – para que o IBAMA autorize a Petrobras a perfurar um poço para explorar combustíveis fósseis no bloco FZA-M-59, na foz do Amazonas, o que escancara a contradição do governo brasileiro. Afinal, o mesmo Lula que disse que o mundo espera que o país lidere a luta contra a crise climática no dia de sua posse, em janeiro de 2023, quer fazer do Brasil o 4º maior produtor de petróleo do planeta, mostra o Financial Times, em matéria traduzida pela Folha. A despeito da urgência de se eliminar os combustíveis fósseis para tentar frear as mudanças climáticas. E sem se importar com os efeitos da exploração desse petróleo em uma região de altíssima sensibilidade ambiental como a Amazônia.
São propostas que entram em conflito com as alegações de sustentabilidade de Lula. “Não há coerência alguma”, reitera Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima (OC). “Você não pode ser um líder em meio ambiente e clima e ao mesmo tempo se tornar um megaprodutor de petróleo.”
A liderança climática almejada pelo presidente brasileiro é colocada em xeque também pelo secretário Executivo do OC, Marcio Astrini. Embora reconheça que o cenário político nacional dificulte as ações ambientais e climáticas, com um Congresso hostil, dominado pela extrema direita e pela bancada ruralista e fortalecido pelo governo anterior, as ambiguidades de Lula são gritantes.
“O presidente está determinado a fazer do Brasil o 4º maior produtor de petróleo do mundo às custas do clima global, embora o Brasil esteja em chamas agora e suas principais cidades estejam cobertas de fumaça de incêndios florestais recordes. Também está empenhado em construir uma estrada [a BR-319] altamente controversa que corta o coração da Floresta Amazônica, que pode facilitar a grilagem e a extração ilegal de madeira e aumentar as emissões do desmatamento em 8 bilhões de toneladas até 2050”, explicou, em artigo no Climate Change News.
Outra contradição explícita se deu quando Lula anunciou o lançamento da Política Nacional de Transição Energética (PNTE), que por enquanto é só uma ideia. Mas, no mesmo dia, foi promulgado o decreto do Programa “Gás para Empregar”, que visa aumentar a oferta de gás fóssil no país.
A coordenadora de projetos do Instituto ClimaInfo, Carolina Marçal, aponta que a expansão do uso do gás e outros combustíveis fósseis atrasa a transição energética, destaca o UOL. “Entre outros fatores, pode gerar um bloqueio de investimentos no setor elétrico por até 30 anos, além de aumentar custos da eletricidade e agravar ainda mais a crise climática que estamos vivendo”, reforçou.
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ClimaInfo, 18 de setembro de 2024.
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