Carta Vida sem Plástico – Coalizão por um tratado global robusto

Ilmo(a)s. Sr(a)s

Marina Silva – Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas

Geraldo Alckmin – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio; 

Fernando Haddad – Ministério da Fazenda; 

Rui Costa – Casa Civil; 

Mauro Vieira – Ministério das Relações Exteriores; 

Nísia Trindade – Ministério da Saúde;

 

Como os chefes de delegação estão prestes a se reunir em Nairóbi para avançar em um instrumento internacional juridicamente vinculativo para acabar com a poluição por plásticos, a Coalizão da sociedade civil brasileira chamada Vida Sem Plástico gostaria de compartilhar as prioridades que o movimento Liberte-se do Plástico (BreakFreeFromPlastic) coletivamente pede aos Estados Membros que se concentrem antes e durante o INC-5 para garantir que o tratado de plásticos resultante tenha um impacto duradouro e significativo na proteção do meio ambiente, da saúde humana e dos direitos humanos.

Nós estamos muito preocupados com a direção do trabalho proposto no Non-paper pelo presidente do Bureau do INC, Embaixador Luis Vayas, que reduziu consideravelmente a ambição. Por exemplo, o documento não menciona o ciclo de vida completo dos plásticos e deixa muito para ser decidido na primeira COP e nas subsequentes. A reunião dos Chefes de Delegação é uma oportunidade estratégica para destacar a necessidade de o texto do tratado abordar o ciclo de vida completo, pois sem medidas obrigatórias de redução da produção, não há garantia de que as ações subsequentes serão eficazes.

Uma das principais prioridades é reduzir a produção de plástico, que está alimentando a tripla crise planetária e ameaça a meta de manter o aquecimento global inferior a 1,5°C. A redução com o objetivo de eliminar gradualmente a produção é uma condição essencial para acabar com a poluição por plástico, e são necessárias regras e metas específicas e juridicamente vinculantes sobre a produção e o suprimento de plástico virgem para apoiar a eficácia de outras medidas do instrumento. Além de ser amplamente demonstrada pela ciência, a redução do plástico realmente oferece mais oportunidades econômicas por meio da criação de novos negócios de sistemas de reuso locais e da redução dos gastos públicos com o gerenciamento da poluição.

Só no Brasil, o maior produtor de plástico da América Latina, 15 mil itens de plásticos de uso único são fabricados por segundo, totalizando 2,95 milhões de toneladas ao ano. Como a poluição por plásticos ocorre ao longo de todo o seu ciclo de vida, a consequência é fatal: o Brasil despeja 325 mil toneladas de plásticos no oceano todos os anos, de acordo com dados da Oceana. 

O Tratado de plásticos é a oportunidade ideal para nos movermos para uma economia não tóxica e segura. A produção de plásticos tem um histórico de causar danos adversos em comunidades locais, como é o caso do desastre em curso provocado pela mineração da Braskem em Maceió, conforme aponta CPI.

As prioridades de nosso movimento são as seguintes:

O tratado deve reduzir a produção de plástico na fonte:

Para que o instrumento seja eficaz, é indispensável ter regras e metas específicas e juridicamente vinculantes sobre a produção e o fornecimento de plástico virgem. Essas regras devem criar condições favoráveis para a redução, com o objetivo de eliminar gradualmente a produção de plástico. A redução da produção é uma condição essencial para acabar com a poluição plástica. Isso também é necessário para ficar abaixo da meta de 1,5 °C, harmonizar-se com outros acordos ambientais multilaterais, enfrentar a tripla crise planetária e criar um futuro seguro e justo para todos.

O tratado deve eliminar químicos que sejam perigosos para a saúde humana e para o meio ambiente:

O tratado deve eliminar químicos que sejam perigosos para a saúde humana e para o meio ambiente. O tratado deve fornecer regras específicas, operacionalizando o princípio da precaução para eliminar grupos de substâncias químicas que sejam perigosas para a saúde humana e para o meio ambiente. A proteção da saúde humana atual e futura deve ser um objetivo central do instrumento. Também é um requisito essencial para facilitar uma economia circular não tóxica.

Não podemos gerenciar o que não podemos medir:

O fornecimento de informação harmonizada, obrigatória e transparente em todo o ciclo de vida dos plásticos é a base de um instrumento eficaz. A comunicação e a transparência criam a estrutura para definir linhas de base e metas, medir o progresso e avaliar a eficácia. Isso é particularmente essencial para as medidas relacionadas ao fornecimento de plásticos virgens, de modo que os esforços para reduzir a produção e garantir uma economia circular não tóxica possam ser avaliados e avançados. 

Precisamos de regras globalmente vinculantes em todo o ciclo de vida:

Compromissos voluntários do setor, uma variedade de regulamentações nacionais e proibições ad hoc de produtos representam atualmente o status quo. Essas medidas não conseguiram conter a poluição plástica e levaram a uma total falta de clareza para as empresas. Vimos que as estruturas voluntárias, como o Acordo de Paris, não conseguiram produzir resultados. O tratado deve estabelecer regras globais, harmonizadas e juridicamente vinculantes em todo o ciclo de vida dos plásticos, combinadas com metas nacionais, para realmente promover mudanças e criar condições equitativas para todos os agentes comerciais e reguladores.

Por exemplo, é essencial ter regras para expandir e fortalecer os sistemas de reuso não tóxico.

Ação real significa dinheiro real:

Uma estrutura sólida para os meios de implementação tem o potencial de acabar com a poluição plástica se combinada com metas ambiciosas de implementação. A ambição precisa estar alinhada tanto nas medidas de controle quanto no financiamento. As obrigações vinculantes para acabar com a poluição plástica devem ser combinadas com compromissos claros para fornecer financiamento multilateral – dinheiro estável, acessível e previsível – para apoiar a implementação, garantir uma transição justa e financiar sistemas de reutilização, bem como requisitos claros para fazer com que os poluidores paguem. Da mesma forma, devemos evitar dinheiro voluntário para medidas voluntárias que historicamente falharam conosco. 

Transição justa para as comunidades afetadas:

O tratado deve garantir uma transição justa para os trabalhadores ao longo do ciclo de vida dos plásticos, “catadores de resíduos e outros trabalhadores informais e trabalhadores em cooperativas”, povos indígenas e comunidades da linha de frente ou diretamente afetadas. Isso inclui apoio financeiro, reconhecimento oficial de seus direitos, transparência sobre os impactos da poluição plástica na saúde ao longo de todo o ciclo de vida e participação total na elaboração de políticas. O tratado deve excluir o colonialismo de resíduos e as tecnologias poluentes (por exemplo, incineração) para proteger as comunidades já sobrecarregadas e evitar a criação de danos adicionais, garantindo salvaguardas para a saúde humana e o meio ambiente. Ele também deve defender o direito humano a uma solução eficaz que seja acessível, econômica e adequada para as comunidades afetadas pela poluição contínua e herdada. 

 

Adicionalmente, a Coalizão gostaria de enfatizar algumas de nossas prioridades para o tratado:

  • Transparência: Mais de 4.200 substâncias químicas encontradas em plásticos, entre as 16.000 já detectadas, são disruptores endócrinos, e menos de 1% delas são atualmente reguladas pelos tratados multilaterais. O custo das doenças causadas por essas substâncias foi na ordem de 163 bilhões de Euros na Europa, em 2016, e $250 bilhões nos EUA em 2018. Há evidências de que cerca de 6.300 substâncias químicas em plásticos têm alto potencial de exposição, sendo que 1.500 delas são conhecidas por migrarem dos materiais plásticos e produtos. É necessário estabelecer no Tratado um sistema globalmente harmonizado de transparência e rastreabilidade dessas substâncias, que facilite a regulação baseada nos seus perigos inerentes. Os custos para implantar esse sistema são muito menores do que os custos suportados pelos Estados Partes para atender a saúde pública. Além disso, são as empresas no topo da cadeia de produção de substâncias químicas que devem custeá-lo  e, com isso, proteger suas reputações comerciais e as de seus clientes ao longo da cadeia de produção e distribuição. Portanto, é crescente o número de empresas menores que apoiam o estabelecimento desse sistema globalmente harmonizado, pois economizarão tempo e dinheiro para terem as informações, principalmente se os seus fornecedores estiverem em outras jurisdições.  
  • Nenhuma isenção geral para serviços de saúde: o Tratado Global de Plásticos deve ser ambicioso e justo e abordar a poluição por plástico sem isentar o setor de saúde — a saúde deve estar no centro do tratado. Embora o setor de saúde possa exigir consideração especial, uma isenção geral paralisaria o movimento de eliminação de plásticos tóxicos e de uso único, dificultaria a inovação e impediria a adoção de alternativas mais seguras e sustentáveis. Apelamos aos governos para que considerem um programa de trabalho sobre produtos plásticos no setor de saúde, a ser desenvolvido posteriormente, em alinhamento com outras iniciativas internacionais sobre saúde e produtos químicos, resíduos, cadeia de suprimentos sustentáveis e clima.

À medida que nos aproximamos do final esperado das negociações, não é uma opção se contentar com qualquer tratado sobre plásticos para simplesmente entregar um instrumento até o final de 2024. Os negociadores devem desenvolver um tratado que seja adequado para acabar com a poluição plástica e que respeite o mandato da Resolução UNEA 5/14.

1 – Aliança Resíduo Zero Brasil

2 – Oceana Brasil

3 – TOXISPHERA Associação de Saúde Ambiental

4 – Instituto ClimaInfo

5 – Projeto Hospitais Saudáveis 

6 – ACT Promoção da Saúde

7 – Instituto de Defesa de Consumidores (Idec)

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