
Relatório identificou cadastros ambientais rurais sobrepostos a TIs regularizadas, com cerca de 1,7 milhão de hectares afetados por cultivo de soja e criação de gado.
Os crimes de parte do agronegócio brasileiro não são novidade, sejam eles ligados a desmatamento, incêndios, grilagem ou invasão de Territórios Indígenas e Unidades de Conservação. Por isso, embora seja chocante, não chega a surpreender que cerca de 1,7 milhão de hectares de Terras Indígenas no Mato Grosso estejam registrados como propriedades rurais, que usam indevidamente o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para legitimar processos de grilagem.
O dado consta no relatório produzido pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) em parceria com o Instituto Centro de Vida (ICV). A DW teve acesso ao documento e constatou um total de 199 cadastros sobrepostos a 59 TIs já regularizadas no estado. A terra regularizada está na fase final de demarcação, esperando apenas a desintrusão ou retirada de possíveis ocupantes.
Se consideradas todas as 74 Terras Indígenas do estado que estão em diferentes etapas – declaradas, delimitadas, em estudo, regularizadas e homologadas – e que somam 15 milhões de hectares, o total de cadastros sobrepostos salta para 691. Isso cobre 6,84% dessas áreas indígenas.
O estudo analisou os CARs no Sistema Mato-grossense de Cadastro Ambiental Rural (SIMCAR), da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT) que estão sobrepostos a essas TIs. Ao permitir que particulares registrem essas áreas – que são, conforme a Constituição de 1988, destinadas aos Povos Indígenas para sua reprodução cultural, espiritual e física –, a SEMA acaba favorecendo a prática de grilagem, contrariando o direito dessas populações.
“Quer dizer que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso não está seguindo nem mesmo seus próprios critérios, pois esses cadastros estão sobrepostos a terras que já possuem registro em cartório. Recomendamos que todos esses cadastros em terras regularizadas sejam desativados”, disse o indigenista Ricardo Carvalho, um dos autores do relatório.
O documento revela ainda que 49% das áreas de imóveis rurais sobrepostos estão em TIs que se encontram nas fases iniciais de estudo e delimitação. Essas fases são consideradas mais vulneráveis a disputas e contestações.
Para a analista socioambiental do ICV, Júlia Mariano, a sobreposição de CARs em Terras Indígenas não só compromete o Direito Originário dos povos aos seus territórios, mas também legitima o uso econômico dessas áreas por terceiros.
“Apesar de a legislação determinar que os Cadastros Ambientais Rurais em Terras Indígenas devem ser indeferidos, a realidade não é essa. Muitas TIs ainda têm imóveis cadastrados e registros ativos, o que as deixa vulneráveis a atividades ilegais. Essa situação não só desrespeita a lei, mas também ameaça a integridade desses espaços e comunidades”, disse Júlia.
UOL, O Povo e Mídia Ninja repercutiram o relatório da OPAN e do ICV.
__________
ClimaInfo, 7 de outubro de 2024.
Clique aqui para receber em seu e-mail a Newsletter diária completa do ClimaInfo.