
A população paulista ainda convive com os efeitos da forte tempestade que atingiu a Grande São Paulo e outras cidades no interior do estado na última 6a feira (11/10). O principal problema é a falta de energia elétrica, que se mantinha em mais de meio milhão de imóveis na manhã desta 2a feira (14). A Enel, concessionária responsável pelo fornecimento elétrico, não deu previsão para a retomada total do serviço, mesmo sob pressão crescente da prefeitura de SP, do governo do estado e do governo federal.
De acordo com a Enel, 537 mil imóveis continuavam sem energia ontem pela manhã, a maior parte (354 mil) na cidade de São Paulo. Entre os bairros mais afetados, estavam Jabaquara, Campo Limpo, Pedreira e Jardim São Luís. Outros municípios também seguiam com fornecimento elétrico interrompido, como Cotia, São Bernardo do Campo e Taboão da Serra. Agência Brasil, CNN Brasil, Estadão, Folha e g1 deram mais detalhes.
A situação é tão dramática quanto ridícula. Como O Globo destacou, a região metropolitana de SP tinha mais imóveis sem energia elétrica 24 horas depois da tempestade do que o estado da Flórida, nos EUA, um dia após a passagem do furacão Milton, na semana passada. No último sábado (12), cerca de 1,4 milhão de casas estavam sem energia em SP; já na Flórida, esse número era de 1,35 milhão na última 5a feira (10), depois da passagem de Milton.
Enquanto a Flórida enfrentou um furacão com ventos superiores a 200 km/h, que persistiram por horas a fio, os paulistas experimentaram alguns minutos de forte ventania, de 107 km/h no máximo. Mesmo com um evento extremo relativamente mais fraco, mais paulistas enfrentaram blecaute do que floridianos depois de um dos furacões mais potentes dos últimos anos.
A persistência da falta de luz e as respostas evasivas da Enel irritaram as três esferas do poder público e jogaram lenha na fogueira da disputa pela prefeitura de SP. Enquanto o prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, e o governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), colocaram a culpa no governo federal, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, responsabilizou a ANEEL pela falta de fiscalização, citando que a diretoria atual da agência foi indicada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado de Nunes e Tarcísio.
Ontem, Silveira afirmou que outras concessionárias do país farão uma força-tarefa para ajudar a Enel a restabelecer o fornecimento elétrico nos bairros e municípios ainda sem energia. Ele também deu um prazo de três dias para a empresa “resolver os problemas de maior volume” em São Paulo.
A possibilidade de um rompimento do contrato de concessão, exigido por parte da população desde o blecaute de novembro do ano passado, também foi sugerido por Silveira. “Eu sou a favor da abertura [do processo de rompimento com a Enel], que passa, naturalmente, por uma intervenção. Isso é um processo”. Folha, g1, UOL e Valor repercutiram a fala do ministro.
Enquanto poder público e concessionária “brincam de peteca” com mais um blecaute causado pelo clima extremo (se bem que menos extremo que um furacão categoria 3), a situação deixa evidente o desinteresse destes atores por medidas efetivas de adaptação da rede elétrica das grandes cidades brasileiras a um clima cada vez mais imprevisível.
Uma das medidas mais lembradas e defendidas pela população e por especialistas é o enterramento dos fios de energia elétrica, o que reduz o desgaste causado pelas chuvas e o rompimento dos fios por queda de árvores ou postes. Comum em várias cidades na Europa e nos EUA, o enterramento é uma raridade no Brasil.
Um dos problemas que dificultam essa medida no Brasil é o alto custo, principalmente no caso de São Paulo. Como o Estadão pontuou, estima-se que sejam necessários R$ 20 bilhões para enterrar os fios só na região central da capital paulista. Além de caro, não há consenso sobre quem ficaria responsável por financiar essa operação. Em meio a esses impasses, poder público e concessionárias empurram o problema com a barriga (a dos outros, de quem passou o final de semana sem luz).