Jabutis que beneficiam térmicas a gás fóssil e carvão no projeto de lei das eólicas marítimas doerão no bolso também pelos prejuízos climáticos das emissões.
Já foi comprovado que a inclusão de jabutis [matérias estranhas ao tema principal] que beneficiam termelétricas movidas a combustíveis fósseis no projeto de lei que regulamenta as eólicas offshore doerá muito no bolso dos consumidores. Um estudo da consultoria PSR apontou um custo adicional de R$ 10 bilhões a R$ 25 bilhões por ano, a ser pago nas contas de luz por todos nós. Isso num país com sol e vento à disposição para produzir energia renovável bem mais barata do que a eletricidade gerada a gás fóssil e carvão.
Mas há outro custo que não entrará diretamente nas contas de luz, nem será descontado dos dividendos dos acionistas, mas que todos nós pagaremos: o custo climático. Afinal, o objetivo do marco regulatório para as eólicas marítimas é criar um arcabouço legal para uma fonte energética cuja geração tem emissão zero de gases de efeito estufa (GEE). Mas se o texto que está prestes a ser votado no Senado mantiver as benesses para as usinas movidas a combustíveis fósseis, os gases emitidos por elas agravarão as mudanças climáticas, com mais eventos extremos que causam transtornos e mortes. E perdas financeiras, que serão pagas por todos nós.
Em relação às emissões, cálculos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) estimam que se o PL das eólicas offshore mantiver os “jabutis”, as emissões das usinas a gás fóssil somarão 135 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) até 2050. Nas térmicas a carvão, as emissões totais serão de 118 milhões de tCO2e até o mesmo ano.
A título de comparação, o 3º Inventário de Emissões Atmosféricas em Usinas Termelétricas relativo a 2022, também elaborado pelo IEMA, mostra que as 72 termelétricas a combustíveis fósseis já conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN) emitiram 19,5 milhões de tCO2e naquele ano. Ou seja, estamos falando de um acréscimo de mais de 50% nas emissões numa única manobra indevida no Congresso Nacional..
No momento em que o planeta precisa acelerar a transição energética e eliminar o quanto antes os combustíveis fósseis, emitir mais gases de efeito estufa para gerar eletricidade em um país que dispõe de fontes renováveis a perder de vista é um contrassenso. Custa mais porque a geração a combustíveis fósseis é bem mais cara que a renovável, e custa mais porque essas emissões cobrarão seu preço, por meio de eventos climáticos extremos.
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia enviou uma carta ao governo federal com um alerta: o setor elétrico terá uma escalada de custos se não houver uma redução significativa nas emissões de GEE. E isso tem relação direta com os “jabutis” inseridos no PL das eólicas offshore. Sem falar nas emissões dessas usinas, que, como destaca o documento, comprometerão as metas climáticas do país.
“No momento em que o Brasil se prepara para sediar a COP30 em 2025, projetos de lei no Congresso Nacional propõem medidas na direção contrária das metas climáticas brasileiras. As contratações de térmicas a gás e a carvão previstas no PL das eólicas offshore não têm justificativa técnica ou econômica, mas foram aprovadas com ampla maioria na Câmara dos Deputados no ano passado e estão prestes a ser votadas no Senado”, destaca o documento.
Voltemos aos números: quase metade das famílias brasileiras tiveram problemas para pagar suas contas de luz nos últimos 12 meses, conforme um levantamento da consultoria Accenture. Apesar das fontes renováveis, um sistema tarifário complexo e subsídios desnecessários fazem a eletricidade ser mais cara do que deveria. Com térmicas a gás fóssil e carvão, esse custo será incrementado em R$ 25 bilhões por ano.
Calcular o custo climático é bem mais complexo. Esta conta ainda precisa ser mais bem elaborada. Mas podemos tomar como exemplo as chuvas extremas que atingiram o Rio Grande do Sul há seis meses. Considerada a maior tragédia climática do Brasil, a catástrofe matou quase 200 pessoas e deixou milhares de desabrigados. Até hoje há gente sem casa e cidades destruídas.
Até setembro, o governo federal havia destinado R$ 98,7 bilhões a ações emergenciais e recursos para reconstrução de infraestrutura e de apoio à população e empresários do estado. O valor inclui antecipação de benefícios, linhas de crédito e investimento novo. Desse total, R$ 42,3 bilhões foram efetivamente pagos pela União. Ou seja, por todos nós.
Mas há outras dores no bolso do consumidor que a tragédia climática gaúcha provocou, como o aumento dos preços dos alimentos após as chuvas dizimarem várias culturas agrícolas gaúchas. Essa escalada fez o principal índice de inflação do país, o IPCA, acelerar para 0,46% em maio, o dobro do 0,23% registrados em maio de 2023 e acima do 0,38% de abril deste ano.
Diante disso, vale perguntar: quem ganha com os benefícios a térmicas a combustíveis fósseis no projeto de lei das eólicas offshore? Porque quem perde já sabemos: a população brasileira e o clima. Até quando deputados e senadores patrocinarão esses prejuízos, jogando no nosso colo uma despesa desnecessária?
__________
Por Alexandre Gaspari, jornalista no ClimaInfo.
__________
ClimaInfo, 6 de novembro de 2024.
Clique aqui para receber em seu e-mail a Newsletter diária completa do ClimaInfo.