
A COP16 foi a primeira conferência de biodiversidade após a adoção do Acordo de Kunming-Montreal, que definiu 23 metas para 2030 e quatro para 2050. Com os objetivos estabelecidos, a discussão passou da fase de promessas para a implementação concreta – e, como esperado, isso tornou tudo mais difícil. Esse é um alerta direto para a COP30, que poderá ser histórica se conseguir mudar o foco da Convenção de Clima para implementar acordos já existentes.
Na COP da Biodiversidade o maior impasse foi o financiamento, exatamente como na COP de Clima do ano passado, em Baku. Desde outubro, ainda em Cali, na Amazônia colombiana, o principal avanço da COP16 tinha sido um acordo para uma maior participação de indígenas e de comunidades tradicionais. Mas o mecanismo de financiamento dos países ricos para os países detentores da biodiversidade segue pendente após o encerramento em Roma.
“Estou satisfeito com os resultados alcançados pela COP16 da CBD, incluindo as duas partes”, diz Bráulio Dias ao ClimaInfo. Ele é diretor do Departamento de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e um dos maiores especialistas do país nesta negociação.
“Tivemos grandes avanços nas questões relativas à repartição de benefícios e valorização do papel dos Povos Indígenas e das Comunidades Tradicionais. A decisão sobre mobilização de recursos financeiros reflete as atuais condições geopolíticas globais difíceis, com os países europeus sendo forçados a ampliar seus investimentos em armas e o crescente unilateralismo dos EUA”, avalia Dias.
O artigo 21 da Convenção da Biodiversidade, assinado em 1992, já previa um fundo específico para essa agenda, mas ele nunca saiu do papel. Na COP16, países do Sul Global defenderam que essa dívida histórica fosse reconhecida com um fundo novo e independente. Já os países ricos, como Canadá, Japão e União Europeia, insistiram na manutenção do Global Environment Facility (GEF), mecanismo controlado por doadores e de difícil acesso para os países que realmente precisam dos recursos.
A solução negociada foi um meio-termo articulado pelos BRICS e puxado pelo Brasil: até 2030, os países trabalharão para reformar e fortalecer os fundos existentes, como o GEF, o Global Biodiversity Framework Fund (GBFF) e o recém-criado Fundo Cali, que contará com financiamento privado. Paralelamente, será construído um novo mecanismo financeiro, que responderá diretamente à CBD, garantindo mais autonomia para o Sul Global.
O papel central que o Brasil teve na COP16 ao mediar o impasse financeiro via BRICS pode ser fundamental novamente em Belém; e o país já está trabalhando para construir uma posição comum no tema financeiro na Cúpula do BRICS em julho. O anfitrião da COP30 também precisará demonstrar liderança para implementar o acordo da COP28, em Dubai, sobre transição energética.
Outro ponto de convergência entre as conferências é a integração entre clima, biodiversidade e economia. A COP16 avançou ao estabelecer pela primeira vez um diálogo formal entre ministros das finanças e do meio ambiente, reforçando que proteger a natureza não pode ser tratado como um custo, mas sim como um pilar essencial do desenvolvimento global. Na COP30 essa abordagem deve ganhar força, especialmente com iniciativas como o Tropical Forest Forever Facility (TFFF), que busca compensar financeiramente a conservação das florestas tropicais.
A lição da COP16 é clara: implementar acordos ambientais não é uma questão técnica, mas uma disputa política e econômica. Nenhum avanço acontece sem pressão, e os países ricos farão de tudo para evitar compromissos financeiros concretos.
A COP30 será um teste para a liderança do Brasil. O país precisará superar suas contradições sobre combustíveis fósseis e liderar o caminho para implementar o Acordo de Dubai, provando que o multilateralismo se fortalece quando os acordos saem do papel – e não quando são empurrados para o futuro, como aconteceu na COP16.