
As últimas falas do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sobre o IBAMA e seu presidente, Rodrigo Agostinho, indignaram ainda mais a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (ASCEMA Nacional) e organizações da sociedade civil. Árduo defensor da exploração de petróleo e gás na foz do Amazonas a qualquer custo, inclusive ambiental e climático, Silveira subiu o tom nas últimas semanas e disse que Agostinho “está receoso e não tem coragem” de decidir sobre a licença para a Petrobras perfurar um poço no bloco 59, na foz.
A ASCEMA acusa Silveira de provocar constrangimento institucional contra o IBAMA, relatam Folha e Metrópoles. “As reiteradas manifestações públicas do ministro, sugerindo falta de coragem por parte de Agostinho, configuram uma tentativa de constrangimento institucional e demonstram total desrespeito às normas do licenciamento ambiental no Brasil, o que não é compatível com o cargo que ocupa e deveria honrar”, frisou a associação, em nota.
A associação pontua que o IBAMA atua de forma técnica e que o parecer sobre a liberação [ou não] da licença para a Petrobras perfurar um poço na foz do Amazonas seguirá “rigorosamente a legislação”. “Não cabe a agentes externos tentar interferir sobre decisões técnicas, especialmente quando essas declarações partem de membros do próprio governo”, reforçou a ASCEMA.
A escalada da pressão também preocupa especialistas, destaca O Globo. Atropelar o posicionamento institucional não apenas gera mal estar, como fragiliza as instituições e os processos técnicos do poder público, sobretudo numa função tão importante e cara ao Brasil, como é a proteção ambiental, frisou Rarisson Sampaio, porta-voz do Greenpeace Brasil.
Diretor-executivo do Centro Clima no Brasil, Guilherme Syrkis teme que se repita o que se viu na liberação da licença para a hidrelétrica de Belo Monte, uma tragédia ambiental instalada no rio Xingu mesmo diante das recomendações negativas do IBAMA. “Caíram três presidentes do IBAMA até que um foi contra a equipe técnica e autorizou a instalação de Belo Monte. O resultado a gente conhece”, lembrou Syrkis.
A expectativa de Sampaio e Syrkis é que Agostinho negue a licença, seguindo o parecer dos técnicos do órgão ambiental. “Espera-se que o presidente do IBAMA decida pelo indeferimento do pedido e determine seu arquivamento. A decisão precisa ser terminativa. Já temos um parecer e ele foi negativo. O que acontece é um prolongamento indevido de um processo que há muito deveria ter sido arquivado. À Petrobras ainda cabe o direito de voltar à estaca zero e iniciar um novo processo, o qual passará por uma nova análise do IBAMA, refazendo toda a avaliação de impacto”, explicou Sampaio.
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Em tempo 1: Em relação à cobrança de Alexandre Silveira por uma reunião presencial com Agostinho, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que o encontro ocorrerá após a viagem do presidente Lula ao Japão, e com sua participação, informam Folha e agência eixos. Marina irá acompanhar Lula, e a comitiva presidencial deverá estar de volta ao país no fim desta semana. A ministra voltou a explicar algo que Silveira já deveria saber de cor: a decisão sobre a licença para exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas cabe ao IBAMA e segue critérios técnicos. E não há visita de ministro ao órgão ambiental que possa mudar isso, já disse Marina.
Em tempo 2: A pressão de Lula sobre o IBAMA – o presidente acusou o órgão de “lenga lenga” e de agir “contra o governo” na licença para a Petrobras perfurar um poço na foz do Amazonas – põe em xeque a credibilidade do Brasil como potência da diplomacia climática. Mas o problema é muito maior que esse embate inadequado, avaliam Juliano Bueno de Araújo e Nicole Figueiredo, do Instituto Arayara, e Maurício Terena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), e envolve o que o Brasil planeja para sua transição energética. “Resistir ou sucumbir à indústria do petróleo é uma decisão com altos impactos ambientais, econômicos e políticos de longo prazo. O país anfitrião da COP30 se apresenta como defensor da transição energética ao mesmo tempo em que as decisões oficiais priorizam os combustíveis fósseis, que aquecem o planeta. Não é possível acender as mesmas velas a Deus e ao Diabo”, apontam em artigo no Jota.
Em tempo 3: O vazamento de petróleo no Equador aumentou a preocupação com a exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas. Para Suely Araújo, ex-presidente do IBAMA e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, o número recorde de acidentes em instalações de exploração e produção de petróleo e gás em alto mar registrado no Brasil em 2024 é um mau sinal, disse na “Conversa Bem Viver”, do Brasil de Fato. “Acho que os acidentes vão aumentar na medida que aumenta a produção. O Brasil hoje é o oitavo maior produtor de petróleo do mundo, tem um plano de se tornar o quarto maior produtor. A ambição é grande nesse sentido, infelizmente, porque em plena crise climática, isso não guarda coerência com a ambição do governo de se tornar um líder climático”, argumentou.