
Nesta segunda-feira (7/4), começa em Londres uma negociação crucial na Organização Marítima Internacional (IMO), agência da ONU responsável por regular o transporte naval global. Ao longo desta semana, os 176 Estados-membros da IMO discutirão a adoção de uma taxa global sobre emissões de carbono e a criação de um padrão internacional de combustíveis para a navegação. É uma daquelas raras ocasiões em que uma decisão ambiental será vinculante – e com impactos concretos sobre o comércio internacional, a política climática e a competição entre países.
O Brasil, um dos maiores exportadores de commodities do mundo, não pode se dar ao luxo de ignorar o que está em jogo. Por um lado, está entre os países que mais podem perder se uma taxa for mal desenhada, penalizando exportadores de commodities pesadas em longas distâncias. Por outro, é também um dos que mais podem ganhar com a criação de uma nova cadeia de valor baseada em combustíveis de baixa emissão, como o hidrogênio e a amônia verdes —nos quais o país tem vantagens competitivas.
Hoje, três grandes propostas estão na mesa. A “taxa europeia” (US$ 100/tCO2e) tem o mérito de ser simples e ambiciosa, mas pode agravar desigualdades e penalizar economias periféricas. A “taxa do Pacífico” (US$ 150/tCO2e), defendida por pequenas ilhas e países africanos, destina parte da receita para adaptação climática, mas não resolve o desequilíbrio de fretes. E a proposta de Cingapura, apoiada pelo Brasil, é mais cuidadosa com os impactos comerciais, mas arrecada pouco e oferece um sinal mais fraco ao mercado para destravar investimentos.
O dilema é real: não há uma proposta perfeita. A maioria dos países em desenvolvimento está dividida entre proteger sua competitividade atual e garantir uma transição energética justa e financiada.
Se houver consenso, a IMO pode repetir o feito histórico de 2023, quando os Estados-membros concordaram em estabelecer metas comuns para descarbonizar o setor: reduzir as emissões da navegação em 30% até 2030, 80% até 2040 e atingir emissões líquidas zero até meados do século. Foi a primeira vez que um setor internacional adotou metas climáticas próprias, embora sem definir ainda os instrumentos econômicos para alcançá-las.
Agora, chegou a hora de decidir como essas metas serão implementadas. Mas também há o risco de uma decisão por maioria, o que poderia levar alguns países a abandonar o processo – ou, pior, não se chegar a acordo algum. Um impasse prolongado seria ruim para todos.
Sem uma solução multilateral, medidas unilaterais como o ETS europeu devem se expandir, acirrando o protecionismo e tornando o comércio internacional ainda mais desigual. Também aumentaria a fragmentação de regras e custos entre mercados, justamente no momento em que a inflação dos alimentos já pressiona países do Sul Global. Uma taxa mal calibrada pode agravar essa tendência, já que os produtos mais expostos à tarifa são commodities básicas e alimentos.
A IMO é hoje um dos poucos espaços onde ainda se discute como distribuir os custos da transição de forma justa entre Norte e Sul. É também um reflexo de um mundo em transformação. O sistema de comércio internacional vive uma fase de rearranjos, impulsionada pela guerra tarifária iniciada por Donald Trump, pela transição energética acelerada e pelas novas disputas geoeconômicas. Não se trata apenas de reduzir emissões: trata-se de definir as regras da nova economia global.Para o Brasil, o interesse é claro: defender um acordo equilibrado, que reconheça os desafios dos exportadores de commodities, mas que também estimule uma nova economia verde. O futuro do comércio e da liderança climática brasileira pode ser moldado nesta semana, em uma sala de reuniões em Londres.