Lula não pode sair da França sem cobrar a Europa por sua omissão climática

Em visita ao país, onde participa da UNOC, presidente deve cobrar ambição climática diretamente dos europeus, em seu próprio território.
8 de junho de 2025
  • Cinthia Leone, Coordenadora Internacional do ClimaInfo
lula na frança
Ricardo Stuckert/PR

Com o mundo em contagem regressiva para a COP30, a União Europeia ainda não apresentou sua nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) — o plano climático atualizado que deveria ter sido submetido até fevereiro. O atraso não é técnico: é político. E é também moralmente inaceitável. 

A França, anfitriã da histórica cúpula do clima que gerou o Acordo de Paris e da atual Conferência da ONU sobre os Oceanos (UNOC3), que começa hoje (9/6) em Nice, tem o poder de destravar essa paralisia. E o presidente Lula, com o peso simbólico e diplomático que carrega, deve cobrar essa ambição diretamente dos europeus, em seu próprio território.

Ao contrário de outros grandes poluidores como Brasil, Reino Unido, Japão e Canadá, que submetem suas NDCs individualmente e já fizeram suas atualizações, os membros da UE atuam em bloco. Isso significa que o silêncio europeu equivale à ausência de 27 vozes, num momento em que o mundo exige clareza. Pior: a falta de uma meta intermediária robusta para 2040 pode empurrar a nova NDC do bloco para um patamar decepcionante — com cortes de apenas 66% a 72% até 2035. Isso está muito abaixo do necessário para manter o objetivo de 1,5°C ao alcance.

A proposta mais séria em debate na UE é uma meta de corte líquido de 90% das emissões até 2040. Trata-se de continuidade, não de novidade — uma ponte coerente entre a meta já acordada de -55% até 2030 e a neutralidade climática em 2050. 

A Alemanha, mesmo sob governo conservador, comprometeu-se com a meta dos 90%. No momento, cerca de um terço dos Estados-membros da UE já apoia esse nível de ambição — ainda que com ressalvas; outro terço se opõe abertamente; e um terço permanece indeciso. A Áustria, por exemplo, retirou seu apoio após a eleição de um novo governo. Nesse cenário fragmentado, a França pode ser o fator decisivo: capaz de levar os indecisos a apoiar os 90% e fortalecer os que já se comprometeram.

Nesse contexto, em sua visita à França, o presidente Lula não pode ser apenas um convidado de honra em Nice. Sua presença deve ser política e estratégica. O Brasil, que já anunciou uma meta de redução de 59% a 67% até 2035, está sendo chamado a liderar. E essa liderança exige coerência: se estamos exigindo ambição global, precisamos pressionar quem tem mais responsabilidade histórica e capacidade econômica.

A Europa, que já foi referência, hoje está ficando para trás. O Reino Unido se comprometeu com uma NDC de -81% até 2035. A China, que ainda não submeteu sua meta, ao menos sinalizou na direção certa: prometeu entregar antes da COP30, abrangendo pela primeira vez todos os setores da economia e todos os gases de efeito estufa. A Índia também está atrasada, mas vem sinalizando forte engajamento na COP30 para proteger seus próprios interesses econômicos.

Ao apoiar a meta de 90%, a França pode preservar o legado do Acordo de Paris, impulsionar sua credibilidade internacional e consolidar sua influência sobre o rumo climático da União Europeia. E isso é bom também para o setor privado europeu. 

Indústrias e investidores operam com horizontes de 10 a 15 anos. Precisam de previsibilidade, não de ambiguidade. Uma meta abaixo de 90% penalizaria justamente as empresas que já investiram em tecnologias verdes. Premiar o retrocesso é punir os pioneiros.

E não se pode proteger os oceanos, como pretende a UNOC3, sem enfrentar o motor da destruição: a dependência dos combustíveis fósseis e a omissão nas metas climáticas. Mais de 100 ONGs já alertaram que o rascunho da Declaração de Nice omite qualquer menção clara à transição energética. Isso não é “acidente”. É cálculo político, e precisa ser confrontado.

Lula deve representar com firmeza o Sul Global e usar seu prestígio para cobrar da França — e da Europa — metas ambiciosas, prazos vinculantes e recursos concretos. Se não o fizer, corre o risco de sair de Nice como coadjuvante de um espetáculo de boas intenções, quando o que o mundo precisa é de ação.

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