Retrocessos ambientais de Trump ameaçam milhares de vidas nos EUA

Ataques coordenados multissetorialmente sucateiam entidades diretamente responsáveis por dados sensíveis na prevenção de desastres.
8 de junho de 2025
retrocessos ambientais de trump ameaçam milhares de vidas nos eua
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Quando o chefe da Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA, na sigla em Inglês) afirmou no último mês de março que o desmonte de regulamentações ambientais seria um “punhal no coração da religião da mudança climática” e traria uma “era dourada” para a economia, ele esqueceu de mencionar, entre outras coisas, os riscos à saúde. Segundo levantamento realizado pela AP, as regras atuais evitam cerca de 30 mil mortes anuais e economizam US$ 275 bilhões por ano, com base em estudos da própria agência e outras pesquisas.

Especialistas alertam que mesmo um desmonte parcial aumentaria poluentes como ozônio, mercúrio e partículas nocivas aos pulmões, além de elevar as emissões de gases do efeito estufa. “Mais pessoas morrerão”, disse Cory Zigler, da Universidade Brown, destacando que “mais poluição que sabemos que mata estará no ar”. A revogação total depende de um processo burocrático demorado, mas qualquer flexibilização terá impactos graves.

Como lembra o New York Times, a ordem executiva de 23/5 assinada por Donald Trump, entrega a assessores políticos o controle sobre pesquisas científicas, permitindo que “corrijam informações” e censurem comunicações ao público – medida classificada por mais de 6 mil cientistas como um ataque à independência da ciência. O governo Trump já havia cortado verbas da National Science Foundation, demitido pesquisadores de agências como EPA e NOAA, e até citado estudos fictícios em relatórios oficiais, expondo um padrão de desmantelamento da infraestrutura científica.

Andrew Dessler, climatologista da Texas A&M, alertou que a erosão da ciência nos EUA “não é teórica, está em curso”, chamando a nova ordem de “ferramenta para suprimir ciência inconveniente”. A Casa Branca defendeu a medida como forma de restaurar a “confiança entre cientistas e o público”, mas especialistas veem nela mais um passo no retrocesso de políticas baseadas em evidências durante o governo Trump.

O caos não para por aí. De acordo com o informado pela Bloomberg, o Secretário de Comércio Howard Lutnick afirmou ao Comitê de Apropriações do Senado nesta 4a feira (04/06) que o Centro Nacional de Furacões (NHC, na sigla em Inglês ) está “totalmente pronto para a temporada” e sem vagas em aberto, apesar de cargos-chave permanecerem não preenchidos. A temporada de furacões no Atlântico em 2025 está prevista para ser mais intensa que a média histórica, representando riscos significativos para vidas e economia. De 1980 a 2024, furacões e tempestades tropicais causaram mais de sete mil mortes e US$ 1,5 trilhão em perdas econômicas nos EUA, de acordo com o Centro Nacional de Informações Ambientais (NCEI).

O NHC, subordinado à NOAA e ao Departamento de Comércio devido aos impactos econômicos dos eventos climáticos, enfrenta o período crítico com questionamentos sobre sua capacidade operacional. Lutnick deve prestar novos esclarecimentos ao Comitê de Apropriações da Câmara, enquanto autoridades monitoram os efeitos potenciais nos setores de energia, agricultura e mercados financeiros.

Outro intento de Trump é “dizimar a capacidade de pesquisa climática da NASA”, conforme relata Scott Waldman ao Politico, com cortes orçamentários que podem afetar diversos setores econômicos. A proposta, divulgada na semana passada, reduziria um quarto do financiamento da agência, focando especificamente em pesquisas sobre mudanças climáticas – mesmo que os instrumentos da NASA também forneçam dados essenciais para outros usos, como o monitoramento de zonas climáticas cruciais para a agricultura.

Entre os programas ameaçados estão a missão de Geologia e Biologia de Superfície (que rastreia poluentes como metano e identifica jazidas minerais) e o sistema de satélites Landsat (fundamental para análises hídricas e dos efeitos do aquecimento global). Como alerta Richard Eckman, veterano da NASA: “Quer você acredite ou não nas mudanças climáticas […] estes são gases atmosféricos que afetam a composição da Terra”. A medida colocaria em risco ferramentas científicas com aplicações práticas em múltiplas áreas.

Já a drástica redução de verbas da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em Inglês) ameaça décadas de apoio a comunidades indígenas, como revela o caso de Miguel Guimarães Vasquez, líder Shipibo-Konibo que perdeu um programa de US$ 2,5 milhões da agência federal – tradicionalmente responsável por projetos de combate ao narcotráfico e desenvolvimento sustentável na Amazônia peruana. Os cortes feitos pelo Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) já impactam desde a proteção territorial indígena até iniciativas globais da USAID, criada em 1961 para coordenar a assistência humanitária e econômica dos EUA no exterior, incluindo agora o cancelamento de bolsas que permitiam a indígenas denunciarem abusos nas Nações Unidas. Enquanto o governo Trump alega “custos excessivos” da agência – que representa menos de 1% do orçamento federal americano -, críticos como o ex-conselheiro Vy Lam alertam que os EUA perderam capacidade de mediação em conflitos ambientais e sociais, coincidindo com medidas repressivas de países como o Peru contra Direitos Indígenas, detalhou a Associated Press.

  • Em tempo: O projeto de reforma tributária de Donald Trump reduziria em 10% a capacidade de energias renováveis nos EUA até 2035, segundo análise da Bloomberg NEF, com a energia eólica sendo a mais afetada (-35% e fim de novos projetos offshore após 2028), enquanto solar e armazenamento teriam quedas menores (5% e 7%, respectivamente). A mudança aumentaria as emissões do setor elétrico em 3,8 milhões de toneladas de CO2 até 2050, revertendo avanços na transição energética.

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