Faça-me o favor

Holden Thorp, editor-chefe das revistas Science, escreve sobre Trump e a Covid-19

“Faça-me um favor, acelere, acelere.” Isto foi dito pelo presidente dos EUA, Donald Trump, na Conferência Legislativa da Associação Nacional dos Municípios, quanto este relatava o que disse aos executivos da indústria farmacêutica sobre avanços na direção de uma vacina contra o SRA-CoV-2, o vírus que causa a doença coronavírus 2019 (Covid-19). Anthony Fauci, diretor de longa data do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, tem dito repetidamente ao presidente que o desenvolvimento da vacina levará pelo menos um ano e meio – a mesma mensagem transmitida pelos executivos farmacêuticos. Aparentemente, Trump pensou que a simples repetição do seu pedido mudaria o resultado.

A China tem sido criticada, corretamente, por silenciar as tentativas de seus cientistas para difundir informações durante o surto da Covid-19. Agora, o governo dos Estados Unidos está fazendo coisas semelhantes. Mandar Fauci e outros cientistas governamentais submeterem todos os comentários públicos ao Vice Presidente Mike Pence é inaceitável. Este não é o momento para alguém que nega a evolução, as mudanças climáticas e os perigos do fumo moldar as mensagens para o público. Graças a Deus, Fauci, Francis Collins [diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH)], e seus colegas das agências federais estão dispostos a seguir adiante e estão gradualmente divulgando as mensagens.

Enquanto cientistas estão tentando compartilhar os fatos sobre a epidemia, o Governo ou os bloqueia ou os republica enchendo-os de contradições. As taxas de transmissão e de mortalidade não são medições que possam ser alteradas à vontade e com uma apresentação extrovertida. O Governo tem dito repetidamente – como na semana passada – que a propagação do vírus nos Estados Unidos está contida, quando, a partir de evidências genômicas, fica claro que a propagação comunitária está ocorrendo no estado de Washington e além. Esse tipo de distorção e negação é perigoso e quase certamente contribuiu para a lentidão da resposta do governo federal. Após 3 anos debatendo se o discurso deste Governo importa, o discurso agora é claramente uma questão de vida ou morte.

E embora os passos necessários para produzir uma vacina possam ser tornados mais eficientes, muitos deles dependem de processos biológicos e químicos essenciais. Por isso, o presidente poderia muito bem ter dito: “Faz-me um favor, acelere a invenção da dobra espacial”.

Eu não espero que os políticos conheçam as equações de Maxwell do eletromagnetismo ou a reação química Diels-Alder (embora eu possa sonhar com isso). Mas não se pode insultar a ciência quando não se gosta dela e, de repente, insistir com algo que a ciência não pode fazer de uma hora para outra. Nos últimos 4 anos, os orçamentos do Presidente Trump tem feito cortes profundos nas verbas para a ciência, incluindo cortes no financiamento dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças e do NIH. Com o desrespeito deste Governo pela ciência da Agência de Proteção Ambiental (EPA) e da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) e a falta de nomeação de um diretor para o Office of Science and Technology Policy (Conselho de Política de Ciência e Tecnologia) – tudo para apoiar objetivos políticos – a nação passou por quase 4 anos vendo a ciência sendo prejudicada e ignorada.

Agora, de repente, o Presidente precisa da ciência. Mas os séculos gastos elucidando os princípios fundamentais que governam o mundo natural – a evolução, a gravidade, a mecânica quântica – também criaram as fundações para sabermos o que podemos e o que não podemos fazer. O modo pelo qual os cientistas acumulam e analisam as evidências, usam raciocínios indutivos e submetem as descobertas ao escrutínio dos pares tem comprovado, ao longo dos anos, que produz um conhecimento robusto. Estes processos estão sendo aplicados à crise da COVID-19 por meio da colaboração internacional em velocidade sem precedentes; por exemplo, a Science publicou dois novos artigos no início deste mês sobre a SRA-CoV-2, e mais estão a caminho. Mas os mesmos conceitos que são usados para descrever a natureza são usados para criar novas ferramentas. Assim, pedir uma vacina e distorcer a ciência ao mesmo tempo é chocantemente dissonante.

Uma vacina tem que ter uma sólida base científica. Ela tem que ser fabricável. Tem que ser segura. Isto pode demorar um ano e meio ou muito mais. Os executivos da indústria farmacêutica têm todo o incentivo para chegar lá rapidamente – afinal, eles vão vender a vacina – mas, felizmente, eles também sabem que não se pode quebrar as leis da natureza para isso.

Talvez devêssemos estar contentes. Há três anos, o presidente declarou seu ceticismo em relação às vacinas e tentou lançar uma força-tarefa antivacinas. Agora, de repente, ele adora vacinas.

Mas, faça-me o favor, Sr. Presidente, se quer resultados comece a tratar com respeito a ciência e seus princípios.

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