BBC emite orientação interna sobre como reportar a mudança do clima

A BBC, um dos maiores e mais respeitados órgãos noticiosos do mundo, emitiu uma orientação formal aos seus jornalistas sobre como devem escrever matérias sobre as mudança climáticas.

 

O site inglês Carbon Brief obteve uma cópia das quatro páginas do documento enviado aos jornalistas da BBC, o qual inclui uma “política editorial” e uma “posição” da instituição sobre as mudanças climáticas. Segundo o Carbon Brief, esta é a primeira vez que a BBC dá uma orientação formal à sua equipe sobre este tópico.

 

A publicação segue a orientação dada no início deste ano pela Ofcom,a reguladora de radiodifusão do Reino Unido, que descobriu que o Today, o programa de notícias emblemático da Radio 4 da BBC, tinha violado as regras de radiodifusão ao “não desafiar o suficiente” Lorde Lawson, um antigo chanceler conservador.

 

Lawson, que preside um grupo de lobby de negacionistas climáticos no Reino Unido, tinha feito afirmações falsas sobre a mudança do clima em uma entrevista dada em agosto de 2017 à Today. Antes mesmo da Ofcom publicar sua decisão, em abril, a BBC já tinha se desculpado por violar suas diretrizes editoriais gerais durante a entrevista com Lawson.

 

A BBC enfrentou repetidas críticas durante a última década por permitir “um falso equilíbrio de opiniões“sobre as mudança climáticas, bem como não implantar plenamente as recomendações da revisão 2011 do se conselho quanto à “imparcialidade e precisão da cobertura sobre a ciência”.

 

A cópia, transcrita abaixo em português, inclui um resumo do “básico” da ciência do clima, a “política editorial da BBC”, uma “posição” sobre as mudanças climáticas e um resumo das políticas climáticas do Reino Unido, bem como das políticas internacionais.

 

Política editorial

 

A mudança climática tem sido um assunto difícil para a BBC e erramos frequentemente na sua cobertura. A comunidade científica do clima é clara ao afirmar que os humanos mudaram o clima, mas especificamente como é mais difícil de evidenciar. Por exemplo, há uma confiança muito grande sobre uma maior frequência de eventos extremos – inundações, secas, ondas etc. – mas atribuir um evento específico, tal como as inundações do inverno do Reino Unido de 2013/2014, à mudança do clima é muito menos seguro.

 

Temos que ter o cuidado e fazer distinções entre declarações. Por exemplo: “a mudança climática torna este tipo de evento mais frequente e mais severo”, e “a mudança climática causou este evento”. A primeira formulação usa evidências científicas para dizer “é provável” que o evento seja o resultado da mudança climática, enquanto que a última pode estar fazendo uma afirmação sem a prova para sustentá-la.

 

Qual é a posição da BBC?

 

  • A mudança climática existe e é gerada pela humanidade: se a ciência a prova, devemos relatá-la. A BBC aceita que a melhor ciência sobre a questão é a posição do IPCC.
  • Preste atenção ao ‘falso equilíbrio de opiniões”: como se aceita que a mudança climática está acontecendo, não se precisa de um “negacionista” para equilibrar o debate. Embora existam os que discordam da posição do IPCC, poucos deles agora vão tão longe a ponto de negar que a mudança climática está acontecendo. Para manter a imparcialidade, você não precisa incluir quem nega a mudança do clima na cobertura da BBC, da mesma forma que você não precisa de alguém negando que o Manchester United ganhou 2 a 0 no último sábado. O árbitro já afirmou. No entanto, a BBC não exclui a princípio, nenhuma nuance, e com um entrevistador experiente desafiando, pode haver ocasiões para ouvir um negacionista.
  • Há situações em que negacionistas e céticos devam ser incluídos nos debates sobre mudanças climáticas e sustentabilidade. Estes podem incluir, por exemplo, o debate sobre a velocidade e intensidade do que vai acontecer no futuro, ou que políticas o governo deve adotar. Mais uma vez, os jornalistas precisam conhecer o ponto de vista do entrevistado e saber como desafiá-lo efetivamente. Como com todos os tópicos, devemos deixar claro para o público qual organização o entrevistado representa, se possível como esse grupo é financiado e se eles estão falando com autoridade desde uma perspectiva científica – em suma, tornando claras suas afiliações e opiniões previamente expressas.

 

O documento da BBC conclui com uma lista de “equívocos comuns” produzidos pela Centro de Mídia de Ciência (Science Media Centre). A lista parece ser uma atualização adaptada de um documento (pdf) publicado pela SMC em 2012.

 

Equívocos comuns:

 

Nem todos os cientistas pensam que a mudança climática feita pelo homem é real

A grande maioria dos cientistas climáticos concorda sobre os fundamentos da mudança climática induzida pelo homem, mas há um debate saudável sobre a extensão desta mudança e o que fazer sobre isso. Assim como com o tabagismo e o câncer de pulmão, o peso da evidência sugere fortemente que os fatores humanos causaram e causarão mudanças climáticas. Todas as academias nacionais da ciência concordam com a existência de mudanças climáticas feitas pelo homem, enquanto a maioria dos cientistas que discorda não trabalha com a ciência climática.

 

O Reino Unido teve invernos frios e verões fracos

O tempo não é clima e devemos olhar para as médias durante um longo período de tempo, como 30 anos por exemplo. É arriscado tirar conclusões sobre a mudança de clima olhando áreas pequenas como o Reino Unido. No nível global, variações locais ficam na média e é mais fácil fazer declarações claras.

 

A mudança climática já aconteceu antes

Variações no clima ocorreram no passado, como a pequena era glacial. Pode haver várias causas, tais como a atividade solar, o que não muda o fato de que mais CO2na atmosfera causar o aquecimento.

 

O aquecimento está causando mais CO2, não o contrário

Os registros de núcleos de gelo mostram que os níveis de CO2sobem quando a Terra sai de uma era glacial. No entanto, os níveis de aquecimento e CO2causam uns aos outros, por isso, se acontece um o outro segue junto.

 

Estamos condenados, e não há nada que possamos fazer sobre isso

Algumas afirmações sobre a severidade da mudança do clima vão além da evidência dura. Por exemplo, as mudanças climáticas têm sido especulativamente ligadas a um elevado número de mortes, e foi alegado que estamos perto de “pontos de inflexão” catastróficos. Embora os pontos de inflexão sejam possibilidades científicas reais, eles são difíceis de prever com qualquer grau de certeza. Entretanto, há muito que podemos fazer para nos preparar e para abrandar as alterações climáticas.

 

O Carbon Brief pediu ao professor Ed Hawkins que examinasse o documento da BBC. Hawkins é um professor de ciência do clima da Universidade de Reading e um dos autores-líder do próximo relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que será publicado em 2021-22. Hawkins disse que “no geral, é ótimo ver a BBC fazendo isso. Este conjunto de diretrizes da BBC já devia ter saído há muito tempo. Houve muitas ocasiões em que o público da BBC foi enganado sobre as realidades da mudança climática“.

 

Este material foi publicado originalmente no link https://www.carbonbrief.org/Exclusive-BBC-issues-Internal-Guidance-on-How-to-Report-Climate-Change