Mulheres e negros serão contemplados com empregos no setor energético?

Nuno Marques - Unsplash
Crédito: Nuno Marques, Unsplash

Por Tatiane Matheus*

O sétimo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU visa assegurar o acesso universal, moderno e com preços acessíveis a serviços de energia até 2030 – aumentando a participação de energias renováveis na matriz energética global e dobrando a taxa global de melhoria da eficiência energética. Para isso, será necessário uma transição energética para matrizes mais limpas, como a solar e a eólica. Se a meta for alcançada, será que ela virá acompanhada de justiça climática, levando em conta questões de gênero e raça?

O primeiro desafio brasileiro é enfrentar a elevação dos preços. A fatura de energia elétrica aumentou quase quatro vezes, entre 2000 e 2019, de acordo com o website da campanha #EnergiaCaraÉSujeira. Uma parcela expressiva da população, praticamente metade das famílias do país, está gastando quase 50% ou até mais do que ganham para pagar as contas de luz e de gás. Pela falta de recursos, muitos estão usando lenha para cozinhar. Aliás, o pronome mais adequado é “elas”. Pela cultura do cuidado, as mulheres são as responsáveis pelas tarefas domésticas, em sua maioria, o que aumenta o risco à saúde delas e das suas crianças, que ficam vulneráveis a doenças pulmonares, acidentes graves com queimaduras e até mesmo a riscos de morte.

Outra barreira para conseguir chegar à meta da ONU é que, apesar de 99,05% dos brasileiros terem acesso ao Sistema Interligado Nacional (SIN) – que é o conjunto de instalações e equipamentos que abastecem o país com energia elétrica – ainda há muitas regiões remotas que não possuem nenhum acesso, de acordo com o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). Do total de pessoas sem acesso à energia elétrica, 86% estão concentradas na região Norte do país. De acordo com outro estudo do IEMA, 21,5% das pessoas que não têm acesso à energia elétrica estão em assentamentos rurais, 6%, em áreas de Unidades de Conservação (UCs), 7,9% são populações indígenas, e 0,3% são quilombolas.

Em relação às empresas do setor elétrico, pesquisa realizada pela consultoria Bravo GRC, a pedido do Valor Econômico, mostra que há apenas 12,76% de mulheres em cargos de diretoria. Quando o recorte é racial, só 8,18% dos cargos de diretoria dessas empresas são ocupados por negros, embora eles representem 54% da população brasileira, e as mulheres, 51,1%, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

As energias solar, eólica, hidrelétrica e de biomassa – consideradas renováveis –  possuem um grande potencial de geração de empregos. A previsão é de até 42 milhões de empregos, em escala global, até 2050, segundo a Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA). Entretanto, seguindo o cenário atual de renováveis, as mulheres atualmente ocupam apenas 32% dos empregos relacionados às energias renováveis no mundo, de acordo com a IRENA. No Brasil, elas ainda são a minoria e, no setor solar, também representam apenas 32%.

O governo tampouco colabora, pois o Plano Decenal de Expansão de Energia 2030 (PDE) – instrumento do governo de planejamento de longo prazo para o setor –, mesmo tendo um capítulo dedicado à análise socioambiental, nada fala sobre questões de gênero e raça. De acordo com a pesquisadora do International Energy Initiative (IEI) Brasil Izana Ribeiro – entrevistada pelo Clima Sem Fake – há  lacunas importantes e ausência de um diagnóstico multidisciplinar com indicadores e análises de ordem sociológica e antropológica, incluindo questões de gênero e suas interseccionalidades (raça, classe, etnia, territórios etc.).

A cientista ambiental Natália Chaves, da Rede Brasileira de Mulheres na Energia Solar (Rede MESol), em entrevista ao ClimaInfo, destaca a importância de apoiar oportunidades para o avanço da mulher (no setor). Segundo ela, a atual falta de paridade de gênero em posições institucionais pode levar a impactos sociais prejudiciais. Isso sem contar o esforço adicional para vencer o preconceito e o machismo estrutural. Pesquisa realizada pela MeSol mostrou que 64% das profissionais do setor já ouviram comentários sexistas, e 49% já sofreram discriminação no ambiente de trabalho por ser mulher.

Conseguir alcançar a sétima meta dessa agenda global inclui, direta e indiretamente, alcançar outros objetivos, como o quinto (Igualdade de Gênero), o décimo (Redução das Desigualdades) e o décimo-terceiro (Ação contra a Mudança Climática Global), por estarem relacionados à diversificação e  à transição energética. Todas as metas, sem exceção, devem ser perseguidas com a incorporação da justiça climática.

Soluções devem se adaptar às necessidades de cada região. Algumas já existem, como a do projeto Revolusolar, de energia solar nas Comunidades Morro da Babilônia e Chapéu Mangueira, no Rio de Janeiro. De acordo com a proposta de outro projeto, o  Nordeste Potência, as políticas públicas precisam ajudar a aumentar a participação das mulheres na força de trabalho. Entre as ações necessárias estão: legislação de igualdade salarial; políticas que proporcionem equilíbrio entre vida profissional e pessoal para todos os funcionários – como licenças maternidade e paternidade e jornada em tempo parcial; e acesso a programas de educação e treinamento, por meio de cursos de nível técnico e superior, com estágios e bolsas direcionados.

Demanda por energia existe; soluções também. Entretanto, para vir com justiça ambiental e climática – logo, social –, serão necessárias ações afirmativas que incluam mulheres e pessoas não-brancas para que tenham a formação necessária para lograr essas vagas de trabalho, para que a transição energética seja justa.

(*) Tatiane Matheus é jornalista e pesquisadora em Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão no Instituto ClimaInfo

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