Especialistas desvendam as nuances do racismo ambiental brasileiro

Família brasileira do século XIX sendo servida por escravos
Pintura de Jean Baptiste Debret retrata família brasileira do século XIX sendo servida por escravos.

Por Tatiane Matheus*

“Um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la”, avisava o filósofo e político irlandês Edmund Burke, ainda no século XVIII. Desde o  “descobrimento” do Brasil, basta seguir as pistas do “follow the money”  (ou seria melhor a trilha do sangue?) para entendermos onde e como ocorre o racismo ambiental no Brasil.

Na busca por respostas sobre o racismo ambiental, há autores estrangeiros — como Robert Bullard, dos Estados Unidos. Já no Brasil, embora muitos autores brasileiros não falem diretamente do tema, trazem em suas obras um construto do racismo brasileiro. É o caso, por exemplo, dos escritores Abdias Nascimento, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Martiniano José da Silva, Clóvis Moura, Milton Santos, Beatriz Nascimento, Djamila Ribeiro, Silvio Almeida e Alessandra Devulsky, entre outros.

O fato é que sem rever o passado escravocrata, não haverá justiça climática no Brasil, e torna-se urgente, cada vez mais, rever a história para entender o presente. No webinário Racismo Ambiental no Brasil, Diosmar Filho, geógrafo e pesquisador da Associação Pesquisa Iyaleta; Tania Pacheco, jornalista e pesquisadora do Blog Combate Racismo Ambiental; e Kátia Penha, coordenadora nacional da Conaq, explicitaram os desafios e apontaram quais ações propositivas devem ser adotadas. Nas próximas semanas, o ClimaInfo irá publicar entrevistas com especialistas e ativistas para ajudar a  entender o racismo ambiental brasileiro pelos viéses da geopolítica, das cidades, dos conflitos de terra, da juventude, da saúde, entre outros temas.

“As fornalhas dos engenhos são bocas verdadeiramente tragadoras de matos… Mas o Brasil, com a imensidade de matos que se tem, pode fartar, como fartou por tantos anos e fartará nos tempos vindouros, a tantas fornalhas”, dizia, em 1711, o padre André João Antonil. A frase é relembrada pela jornalista Tania Pacheco, em uma de suas palestras sobre racismo ambiental baseado no mapa de conflitos, demonstrando a mentalidade predatória desde os tempos dos primeiros colonizadores.  

A tese de doutorado da consultora em Racismo Ambiental do Instituto Pólis, Ana Sanches, de que o racismo ambiental brasileiro teve início com a invasão dos portugueses — mesmo não havendo, no século XVII, os conceitos de raça e de racismo definidos — vai ao encontro da fala de Tania e corrobora as conclusões de quem busca pistas nos livros de história e nos pensadores negros e indígenas do país.  “O Brasil é isto: invasão de terras, exploração de corpos, epistemicídio, genocídio de povos e escravização de pessoas”, ressalta Ana, uma das entrevistadas da série do ClimaInfo. 

A escravidão aqui no Brasil pode ter tidos particularidades diferentes do que ocorreu nos Estados Unidos e na África do Sul, mas isso não quer dizer que foi menos violenta e tampouco resultou em uma ”democracia racial”. Após a abolição da escravatura, os negros libertos foram buscar moradia em lugares afastados do centro e precários. O “darwinismo social” defendido por muitos intelectuais e políticos nos tempos da Monarquia e da República Velha acreditavam na solução de um “branqueamento” pela miscigenação. Para o período de ‘modernização’ do país, entre o fim do século XIX e XX, foi incentivada a imigração de europeus, que foram para as regiões Sul e Sudeste do país. O Nordeste (com a maioria negra) era visto como um lugar de atraso. 

Apenas em 1930, com o fim da oficial imigração estrangeira, a Constituição deu uma reserva de mercado para o trabalhador brasileiro – mestiço ou negro – que migrou para do Nordeste para o Sudeste e o Sul. Só ao se observar os fatos históricos, bem como a formação geopolítica e econômica do Brasil, com o cruzamento dos fatos e dos dados, é que torna-se possível montar o quebra-cabeça que revela a real imagem do racismo ambiental brasileiro.

(*) Tatiane Matheus é jornalista e pesquisadora em Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão no Instituto ClimaInfo

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