Manual prático, voltado a comunicadores, mostra como conectar eventos extremos, como as chuvas torrenciais desta semana no Brasil, com a crise climática.
Já começou… de novo… e mais forte… e mais frequente… e mais mortal. Todos os anos vemos estampadas nos veículos de imprensa notícias sobre tragédias decorrentes de alagamentos, deslizamentos de terra, destruição e mortes provocados pela temporada de chuvas que assola boa parte do país entre novembro e março, pelo menos. Só nesta semana, Paraná, Santa Catarina, Bahia, Rio de Janeiro e Sergipe viraram palco das consequências desastrosas decorrentes do impacto das chuvas, com índices pluviométricos nas alturas.
Mas será que nós, comunicadores, estamos fazendo as conexões necessárias?
É preciso reconhecer que muitos colegas já tentam há anos ligar esses pontos, mas enfrentam a dificuldade com a ausência de um estudo de atribuição específico. Dessa maneira, nem sempre os cientistas do clima fazem a relação entre um evento extremo específico e a crise climática. A esses jornalistas, tomo a liberdade para parafrasear o bordão das “Organizações Tabajara”, do saudoso Casseta&Planeta, e dizer que ‘seus problemas acabaram’.
De um lado, os estudos de atribuição tornaram-se muito mais frequentes e rápidos. Por exemplo, as chuvas devastadoras ocorridas em Pernambuco, nos dias 27 e 28 de maio, e que tiraram a vida de 133 pessoas e desalojaram outras 25 mil, foram objeto de um estudo de atribuição poucas semanas depois. A pesquisa mostrou que um evento como aquele se tornou pelo menos 20% mais intenso em função das mudanças no clima. Tanto esse estudo como a realização sistemática de análises rápidas de atribuições em diferentes geografias é iniciativa da rede WWA (World Weather Attribution).
Outra iniciativa da WWA é a criação de um guia sobre a linguagem que os comunicadores devem usar para estabelecer relação entre eventos extremos individuais e a mudança climática, na ausência de um estudo de atribuição específico.
Entendendo a importância do papel da imprensa frente à crise climática, o guia orienta sobre como informar sobre eventos extremos – ondas de calor, inundações, ciclones tropicais, nevascas, secas, queimadas – a partir do que a ciência climática já sabe a respeito da influência do aquecimento global em eventos de tempo. O documento está disponível em diferentes idiomas, incluindo o português, e é assinado por Ben Clarke, da Universidade de Oxford, e Friederike Otto, do Imperial College of London. O prefácio da versão em português é da jornalista Giovana Girardi.
O guia também valoriza a capacidade de síntese, nem sempre comum entre acadêmicos, para descrever mensagens-chave e pontos de atenção e cautela.
Vale ressaltar que ninguém melhor do que os jornalistas para perceber as nuances características da cobertura local. Aqui no Brasil, por exemplo, as vítimas das tragédias, salvo exceções, têm cor, raça, renda e endereço definidos. Esse guia chega para ajudar a qualificar a informação, visando reduzir o gap entre o factual, no curto prazo, e a crise climática, que já chegou, mas consiste em um desafio de longo prazo. Se o problema na cobertura jornalística pode ser minimizado pelo guia, infelizmente não podemos dizer o mesmo sobre as ações que terão de ser adotadas nacional e internacionalmente para endereçar o maior desafio já colocado para a humanidade.
Gestão de risco: Para saber mais também sobre como andam as questões de gestão de riscos e crise climática, sugerimos conferir a entrevista concedida pelo geólogo Fernando Nogueira para o quadro #ClimaSemFake.
ClimaInfo, 2 de dezembro de 2022.
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