5 coisas a serem observadas na Cúpula do Pacto Global de Financiamento

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De acordo com o governo francês, a Cúpula do Pacto Global de Financiamento tem como objetivo “construir um novo contrato entre o Norte e o Sul”. 

A representação do Sul Global é claramente visível, com vários líderes mundiais, incluindo o presidente Lula, o presidente Ruto, do Quênia, o primeiro-ministro chinês Li Qiang e a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley. 

Por outro lado, dos países do G7, os dois chefes de estado que devem liderar as discussões são Emmanuel Macron, da França, e o chanceler alemão, Olaf Scholz. Ausentes de toda essa ação estarão o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que estará nos Estados Unidos na ocasião, provavelmente anunciando um acordo Norte-Sul que permitirá que os motores dos caças da General Electric sejam co-fabricados na Índia. O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, também estará ausente, pois será o anfitrião da Conferência de Recuperação da Ucrânia nas mesmas datas. 

Alguns estão questionando esta composição no sentido de que se os países em desenvolvimento que estão passando por desafios difíceis, a Cúpula deveria ser uma prioridade para os líderes do Norte Global. Mas o que está acontecendo na prática é que os líderes do Sul Global estão se consolidando como fortes concorrentes para liderar os processos de negociação nos próximos meses.

Embora as principais decisões sobre as reformas propostas só poderão ganhar forma em encontros futuros – claramente as reuniões anuais do Banco Mundial e do FMI; o G20 em setembro, na Índia; e a COP28, nos Emirados Árabes –, passos na direção certa podem ser dados agora nos seguintes temas:

1. Atingiremos a meta de reciclagem dos Direitos Especiais de Saque do FMI para países em desenvolvimento?

Alguma esperança de alcançar os US$ 100 bilhões prometidos em Direitos Especiais de Saque do FMI (da sigla em inglês SDRs) para os países em desenvolvimento parece estar no horizonte. Ainda não está claro se o anúncio fará um endosso de alguma das principais propostas no tema: uma delas sugere que isso ocorra por meio da emissão de títulos ou títulos de capital híbrido; a outra, permitiria que os países reciclassem seus SDRs diretamente para Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB) como capital híbrido. 

Se essa meta for atingida, será sem nenhuma contribuição dos EUA – o maior acionista do FMI e detentor da maior parte dos SDRs. Outro expectativa é a posição do Banco Central Europeu, que já se manifestou contrariamente à medida.

De qualquer forma, isso certamente não deixará os países desenvolvidos livres de outra promessa ainda não cumprida de financiamento climático de US$ 100 bilhões ao ano – alguma sinalização concreta sobre isso também é aguardada. 

2. Como podemos incentivar o investimento do setor privado em uma transição justa?

Avinash Persaud, assessor especial de Clima da primeira-ministra de Barbados e arquiteto da agenda de Bridgetown, recomenda uma solução viável de longo prazo para um problema antigo relacionado ao alto custo de capital nos países em desenvolvimento. 

A proposta, que será discutida na cúpula, sugere a criação de uma agência de garantia de câmbio – uma agência conjunta de bancos multilaterais de desenvolvimento e do Fundo Monetário Internacional (FMI) – que poderia cobrir os riscos cambiais para os investidores de modo que os agentes investissem de bom grado nos mercados emergentes.

3. O que pode acontecer com a taxa de transporte?

A proposta de impor uma taxa universal obrigatória sobre as emissões de gases de efeito estufa produzidas pelo transporte marítimo internacional, apresentada pelas Ilhas Salomão e pelas Ilhas Marshall, tem sido um ponto importante de discussão nas últimas semanas. 

Essa cúpula está ocorrendo duas semanas antes de uma reunião crucial da Organização Marítima Internacional (IMO), na qual essa decisão poderá ser tomada. O Banco Mundial lançou uma nova publicação na semana passada que mostra como as receitas de carbono do transporte marítimo podem ser distribuídas. 

Qualquer endosso dessa proposta pelos principais acionistas da OMI terá grande peso. Embora pessoas próximas às discussões tenham sugerido que os EUA podem se abster de apoiar uma taxa obrigatória (como fizeram ao apoiar a estratégia inicial em 2018), uma linguagem forte ainda pode ser adotada no resultado se o restante dos líderes mundiais apoiarem. O clima é de otimismo cauteloso, pois o processo pode ser endossado sem indicar um prazo para que isso aconteça. O texto final nos dará a resposta.

4. O mundo chegará a um acordo sobre as cláusulas de pausa na dívida?

As cláusulas especiais de pausa na dívida propostas na agenda de Bridgetown suspendem automaticamente os pagamentos de empréstimos por até dois anos quando um país é atingido por um desastre natural ou uma pandemia. Embora essa possa ser apenas uma solução temporária, ela poderia liberar trilhões de dólares para serem gastos em reconstrução e recuperação em momentos de necessidade. 

O UK Export Finance, do Reino Unido, tem o mérito de ser a primeira agência credora de um país desenvolvido a concordar em implementar essas cláusulas em seus novos títulos. Será que outros países seguirão o exemplo? Isso será conhecido no final desta semana, mas há um consenso geral de que deve haver um prazo definido para a implementação dessas cláusulas.

5. O Banco Mundial e outros bancos multilaterais de desenvolvimento têm um caminho difícil pela frente, mas será que o presidente Banga está à altura do desafio?

O Banco Mundial e outros bancos multilaterais de desenvolvimento têm estado sob intensa pressão para reformar suas práticas. Com a cúpula em Paris sendo o primeiro grande compromisso do novo presidente do Banco Mundial Ajay Banga, e com a participação de Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, a cúpula poderá ver mais algum movimento neste sentido.

Espera-se que os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento apresentem uma declaração, embora a imprensa já esteja sugerindo que o progresso nessa frente é limitado. 

Notas para o Editor: 

Aqui está uma agenda para os próximos dias (21 e 22 de junho de 2023):

21 de junho de 2023 – Uma nova pesquisa do ODI destaca a escala preocupante do endividamento com combustíveis fósseis em países de baixa e média renda. O estudo mostra que a dependência excessiva da extração de combustíveis fósseis para pagar a dívida colocou muitos países de baixa e média renda em um ciclo vicioso, pois o aumento dos pagamentos da dívida incentiva os países a expandir a produção de petróleo e gás para gerar receita para pagar a dívida. Leia um release em inglês aqui. 

21 June 2023 – Um novo relatório da Recourse, Change Initiative, Environmental Governance Institute e Centre for Citizens Conserving Environment & Management destaca o impacto dos recentes programas de empréstimo do FMI sobre a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e a probabilidade de realizar transições ecológicas e justas em Bangladesh e Uganda. A análise conclui que as condições associadas aos programas de empréstimo do FMI têm vários impactos adversos para uma transição verde justa.

Leia o release em inglês aqui, e um resumo das mensagens-chave está aqui. Uma versão não diagramada do relatório completo pode ser lida aqui. 

21 de junho de 2023 – A Agência Internacional de Energia (AIE) e a Corporação Financeira Internacional (IFC) divulgam um novo relatório conjunto sobre o aumento do financiamento privado para energia limpa em economias emergentes e em desenvolvimento. O relatório fornecerá uma análise de definição de agenda sobre a ampliação maciça de investimentos em economias emergentes e em desenvolvimento para atender à crescente demanda por serviços de energia e atingir as metas climáticas. Entre em contato com [email protected] para receber uma cópia embargada do relatório.

22 de junho de 2023 – A recém-criada Coalizão para a Capacidade de Ação Climática (C3A) à margem da cúpula para um novo pacto de financiamento em 22 de junho, às 15h, na sede da OCDE (2 Rue André Pascal, 75016 Paris). A C3A busca expandir seu alcance global, concentrando-se no envolvimento dos Ministérios das Finanças e alavancar a capacidade dos ministérios de influenciar as políticas relacionadas ao clima Mais informações podem ser encontradas neste blog

Ações da sociedade civil a serem observadas

21 de junho de 2023 – Ativistas globais exibiram hoje um “banner invisível” flutuante que parecerá transformar a Torre Eiffel em uma enorme turbina eólica, ao lado das palavras “End Fossil Finance” e “Make Polluters Pay” para pedir aos líderes mundiais que tomem medidas urgentes para acabar com o financiamento de combustíveis fósseis. Release aqui.

22 de junho de 2023 – Ativistas climáticos aparecerão na entrada principal da cúpula vestidos como líderes mundiais, de um lado, e como empresas petrolíferas, de outro, encenando um cabo de guerra entre os líderes mundiais e as empresas de petróleo mais responsáveis pela crise climática. Um enorme mural de giz representando as demandas para ‘Acabar com o Financiamento Fóssil’ será revelado no pátio na entrada da cúpula. Release aqui.

22 de junho de 2023 – Jovens ativistas do clima falarão à mídia no primeiro dia da Cúpula para um Novo Pacto de Financiamento Global em Paris. Eles pedirão que as necessidades das pessoas que sofrem os piores efeitos das mudanças climáticas sejam colocadas no centro das negociações. Os palestrantes incluem Helena Gualinga, Equador; Ineza Grace, Ruanda; Mitzi Jonelle Tan, Filipinas e Greta Thunberg, Suécia. Release aqui.

A Global Citizen estabeleceu parâmetros com base nos quais responsabilizará o presidente Macron, bem como outros líderes mundiais e o setor privado.

“Nosso mundo precisa de mudanças urgentes. Os sistemas financeiros globais ultrapassados estão perpetuando as condições que mantêm os países vulneráveis e seus cidadãos presos no ciclo da pobreza extrema”, diz Hugh Evans, cofundador e CEO da Global Citizen.

Mais de 50 grupos climáticos e de desenvolvimento assinaram uma carta conclamando todos os líderes da Cúpula do Pacto de Novas Finanças a trabalharem juntos em prol de uma visão compartilhada e positiva de mudanças profundas no sistema financeiro. “Para essa visão financeira favorável ao futuro e adequada ao clima, nossos líderes precisam desbloquear urgentemente pelo menos 2% adicionais do PIB global em financiamento – equivalente aos gastos globais com despesas de defesa”, diz a carta [versão FR].

Gravação da coletiva de imprensa

Assista à gravação desta coletiva sobre o que podemos esperar da cúpula para um novo pacto global aqui [código de acesso: D8%n1Dh3m4]

Briefing sobre troca de dívida por natureza

Se você estiver interessado no tema da troca de dívida por natureza, este briefing em inglês pode ser de seu interesse.

Episódio de podcast da semana

Como podemos construir uma relação financeira justa entre o Norte Global e o Sul Global pelo Think Change do ODI. Ouça aqui

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ClimaInfo, 21 de junho de 2023.

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