“Bomba” de emissões, pior leilão de petróleo da história do Brasil tem áreas de conflito socioambiental

ANP leilão Noronha
Marcelo Balbio/Agência O Globo via Valor

Nem bem a Conferência do Clima terá acabado e a ANP soltará blocos para exploração perto de áreas de conservação, corais, Terras Indígenas e quilombolas.

Se já não fosse terrível a ideia de o Brasil aderir à OPEP+, cartel de Petroestados que quer tudo menos reduzir o uso de combustíveis fósseis, precisam saber que a situação pode piorar na próxima semana. A causa é o leilão de 603 blocos de exploração de petróleo e gás fóssil que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) realizará na próxima 4ª feira (13/12) – um dia após o fim oficial da COP28, da qual se espera um documento final com um cronograma efetivo para a eliminação dos combustíveis fósseis.

Um levantamento do Instituto Arayara mostra que se o leilão for um sucesso e todos os blocos forem licitados, as emissões totais geradas a partir da exploração destas novas áreas serão superiores a 1 bilhão de toneladas equivalentes de gás carbônico (GtCO2e), volume equivalente a 43,5% das emissões atuais do país. Uma verdadeira “bomba” de emissões, destaca o levantamento.

O volume de emissões geradas pelos novos campos equivaleria ao mesmo montante que o Brasil se comprometeu a cortar nos próximos seis anos para cumprir a sua meta no Acordo de Paris. Hoje o país emite 2,3 GtCO2e e tem como meta reduzir este volume a 1,2 GtCO2e em 2030. Na prática, seria como chegar a 2030 emitindo o mesmo que em 2023, ainda que o carbono emitido à atmosfera pela queima do petróleo a ser extraído não seja eventualmente contabilizado no inventário do país por terem sido “exportados” a outros, explica a Folha.

André Trigueiro, da TV Globo e Globonews, chamou a licitação de “o pior leilão de petróleo e gás da história”. Em um post no Xuítter, Trigueiro destaca alguns dos dados levantados pelo Arayara que mostram que, além da “bomba” de emissões, muitos dos blocos se sobrepõem a áreas de conflito socioambiental e também trazem alto risco de acidente.

As áreas do “leilão do fim do mundo” colocam 366 km² de Unidades de Conservação em risco direto. Afetam também 23 Terras Indígenas – sendo 22 na Amazônia –, além de cinco territórios quilombolas. Além disso, onze blocos se sobrepõem à cadeia de montanhas submersas de Fernando de Noronha, e 12 à região de Abrolhos. E um dos blocos ofertados está a 2,4 km da área de mineração de sal-gema da Braskem em Maceió – onde bairros estão afundando nos últimos dias

Diante disso, há um imenso risco de judicialização. O Arayara já havia protocolado uma ação civil pública pedindo a retirada dos blocos da Bacia Potiguar que ameaçam Noronha e Atol das Rocas. O instituto entrou há pouco com novo pedido judicial, dessa vez pedindo a suspensão da oferta de áreas nas bacias do Paraná, Amazonas e Sergipe-Alagoas, informam epbr e g1. Ainda assim, a ANP mantém o leilão, alegando que eventuais problemas deverão ser resolvidos no processo de licenciamento.

“Essa estratégia não faz o menor sentido porque não elimina a insegurança jurídica do processo. Foi o que aconteceu num outro leilão da ANP quando a BP arrematou o bloco de exploração da Margem Equatorial na Amazônia sem conseguir abrir um poço sequer por aproximadamente uma década. O bloco foi passado para a Petrobras, que aguarda há um ano licença para a exploração”, destaca Trigueiro.

Em artigo no Valor, Suely Araújo, do Observatório do Clima, Nicole Figueiredo de Oliveira e Vinicius Nora, do Arayara, e Fabio Alperowitch, da Fama re.capital, reforçam a perplexidade quanto à oferta de áreas que ameaçam Noronha e o Atol das Rocas. A ANP já havia tentado vendê-las em outro leilão, em 2021, sem sucesso. Estes blocos estão na oferta permanente da agência. Ou seja, poderão receber ofertas fora do leilão da próxima semana.

“Em audiência em 2021 na Assembleia Legislativa de Pernambuco, o coordenador-geral de meio ambiente da ANP, Nilce Olivier Costa, foi taxativo: ‘Causa-me espanto que os geólogos da ANP tenham locado uma área de possível exploração e produção sobre um cone vulcânico’. E foi além, ao citar Krenak: ‘A sociedade olha o planeta como um supermercado e isso tem que mudar’”.

Infelizmente a agência não escutou Krenak. E muita gente do governo federal também não.

Em tempo 1: O choque entre o que a Petrobras pretende e o que o planeta precisa ficou ainda mais claro na entrevista do presidente da petroleira, Jean Paul Prates, ao Valor, e na fala de Volker Turk, alto comissário da ONU para Direitos Humanos, destacada por Jamil Chade no UOL. Prates voltou a defender a “reposição de reservas” de combustíveis fósseis da empresa, ou seja, a exploração de novos reservatórios de petróleo e gás fóssil, alegando que o “mundo vai precisar de reservas de petróleo ou de usar petróleo nos próximos 40, 50 anos”. Já o chefe da ONU mandou um recado claro: “Precisamos de um fim equitativo de combustível fóssil, de seu uso e exploração. Se há um apelo a ser feito, é o de mantê-lo sob a terra e encontre alternativas o mais rapidamente possível (…) Os combustíveis fósseis podem nos levar à beira da extinção”.

Em tempo 2: O navio sonda da Petrobras que perfurará um poço exploratório na área de Pitu Oeste, no Rio Grande do Norte, já partiu do Rio de Janeiro. A perfuração deve ser iniciada ainda em dezembro, informam Valor, Correio Braziliense, Agência Brasil, Folha, g1, Investing.com e Brasil 247. A licença ambiental para a perfuração em Pitu Oeste, na Bacia Potiguar, uma das bacias da Margem Equatorial, foi liberada pelo IBAMA em outubro.

 

ClimaInfo, 8 de dezembro de 2023.

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