Escute o IBAMA, presidente Lula

Técnicos do órgão foram claros: Petrobras não cumpriu a legislação ambiental para explorar petróleo na foz do Amazonas. Um líder responsável não pode ignorar isso.
18 de novembro de 2024
  • Por Alexandre Gaspari, jornalista no ClimaInfo.
Escute o IBAMA presidente
Elaine Menke/Câmara dos Deputados

Dezenas de técnicos do IBAMA que atuaram no pedido de licença feito pela Petrobras para explorar combustíveis fósseis no bloco FZA-M-59, na foz do Amazonas, não deixaram dúvidas sobre o alto risco da atividade para a região. A petroleira respondeu a todos os questionamentos do órgão ambiental e declarou ter aumentado a lista de ações de prevenção e mitigação a possíveis vazamentos de petróleo. No entanto, cumprindo a legislação ambiental, os especialistas, em um parecer detalhado, negaram novamente a autorização para a estatal perfurar um poço na área e recomendaram o arquivamento definitivo do processo de licenciamento. 

O presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho, contudo, decidiu não arquivar o processo. Argumentou que, antes disso, iria “dar ciência” à Petrobras e permitir à petroleira responder às avaliações dos técnicos. Foi uma brecha para que a pressão política sobre um tema puramente técnico voltasse com força total. A começar por uma “visita” dos senadores do Amapá Davi Alcolumbre (União Brasil) e Randolfe Rodrigues (PT) e do governador amapaense Clécio Luís (Solidariedade) à presidente da Petrobras, Magda Chambriard, sabida defensora da exploração de petróleo no Brasil “até a última gota”, na sede da empresa, no Rio de Janeiro. 

Após o encontro, Alcolumbre, que deverá ser o próximo presidente do Senado, disse que o IBAMA “boicotava” o Brasil e que a decisão do órgão “já passou há muito tempo de ser uma questão técnica”. No entanto, a biografia de Alcolumbre disponível no site do Senado não mostra qualquer formação dele na área ambiental. Seu histórico acadêmico mostra uma graduação não concluída em Ciências Econômicas.

Mas não parou aí. Na semana em que se iniciou a COP29 do Clima, em Baku, no Azerbaijão, e a poucos dias da cúpula de líderes do G20 no Rio de Janeiro, o presidente Lula se reuniu com o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), e com os senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e Omar Aziz (PSD-AM) – todos ferrenhos defensores da exploração de petróleo e gás fóssil na foz do Amazonas. Braga e Aziz saíram do encontro dizendo que Lula afirmou que a licença para a Petrobras vai sair. Procurada, a assessoria do presidente disse que ele não iria se manifestar.

A “riqueza” e o “desenvolvimento” que os defensores da exploração de combustíveis fósseis prometem – e nas quais Lula ainda acredita – são uma ilusão cada vez mais evidente. Se até pouco tempo as experiências no Brasil e em outros países do mundo já mostravam que o petróleo enriquece poucos e deixa prejuízos enormes para todos, as mudanças climáticas escancaram ainda mais essa falácia. 

Os eventos extremos derivados da crise climática são um adversário cada vez mais forte, e ignorar esse adversário é ter a certeza de que vamos jogar sempre para perder. Perder dinheiro, perder vidas, perder histórias. Os quase R$ 100 bilhões destinados até o momento pelo governo federal à recuperação do Rio Grande do Sul e os quase 200 mortos pela tragédia climática que atingiu o estado em maio são uma prova recente disso. O clima cobra a conta sem pedir licença, mas quem mais paga é sempre o lado mais fraco: a população mais pobre, que Lula diz defender.

Além disso, as projeções de queda da demanda a partir de 2030 mostram que o mundo não precisa de mais petróleo, ainda mais de uma região tão sensível ambientalmente como a foz do Amazonas. Investir em petróleo é perder dinheiro. Dinheiro que faz falta para financiar a transição energética justa no Brasil, já que para cada R$ 1 de subsídios do governo federal para fontes renováveis de energia, outros R$ 4,52 são aplicados pelos cofres públicos na indústria de combustíveis fósseis, como mostrou o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC). Dinheiro necessário para acabar com a fome no planeta, outra ambição de Lula.  

Ou seja: não é mais possível que ambições e negociações políticas atropelem decisões técnicas baseadas na lei e joguem o meio ambiente e o clima para escanteio. A nova negativa do IBAMA reforça que é impossível explorar petróleo na Foz do Amazonas sem altos riscos ambientais. Isso sem falar nas implicações climáticas.

No momento em que a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos abre uma brecha imensa na agenda climática global, é a hora de Lula chamar para si essa responsabilidade que ele próprio tanto almeja. A redução das taxas de desmatamento na Amazônia e no Cerrado e a redução das emissões brasileiras em 2023 são excelentes credenciais. Mas a postura contraditória do presidente brasileiro sobre os combustíveis fósseis, os principais responsáveis pelas mudanças climáticas, é um “pé no freio” numa corrida em que poderia sair com folga ante líderes de outros grandes poluidores globais.

O IBAMA já fez sua parte, tomando uma decisão técnica, com base na legislação ambiental. Basta que o órgão seja respeitado em suas funções. Um líder climático, como Lula pretende ser, mas sobretudo responsável, como Lula deve ser, não pode ignorar o órgão ambiental de seu governo.

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