
Mesmo sem consulta livre, prévia e informada a Povos Indígenas e sem Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), a Agência Nacional do Petróleo (ANP) manteve a venda de 47 blocos para explorar combustíveis fósseis na Foz do Amazonas no novo “Leilão do Fim do Mundo”, ontem (17/6), no Rio de Janeiro. Ações judiciais tentaram impedir o certame, que ofertou 172 áreas no total, e houve protestos no Rio, em Bonn na Alemanha, e em Silves no Amazonas (leia mais aqui).
Nada disso, porém, constrangeu o órgão regulador e as petroleiras, e o certame terminou com 34 áreas arrematadas. Além de 19 blocos na Foz do Amazonas, arrematados pela Petrobras, pelas estadunidenses Exxon e Chevron e a chinesa CNPC, a ANP vendeu uma área terrestre em Parecis para a desconhecida Dillianz; três blocos em Pelotas, para um consórcio entre Petrobras e a portuguesa Galp; e 11 áreas em Santos, para a australiana Karoon (6 blocos), a inglesa Shell (3) e a norueguesa Equinor (2 blocos). A Bacia Potiguar, onde havia a oferta de 16 blocos, muitos deles próximos ao Atol das Rocas e à cadeia montanhosa marítima de Fernando de Noronha, não recebeu ofertas.
Os 19 blocos da Foz somam mais de 16.000 km2, área equivalente à metade do território da Bélgica – que, como destacou ((o))eco, agora está com “porteira aberta” para a exploração de petróleo e gás. As áreas da Foz do Amazonas representaram 40% dos blocos arrematados e 85% da arrecadação do leilão, com R$ 844 milhões dos R$ 989 milhões em bônus de assinatura, detalhou a Folha.
Foi a primeira vez que houve ofertas para áreas na Foz do Amazonas desde 2013. Naquele ano, a ANP tinha como diretora-geral Magda Chambriard, atual presidente da Petrobras, e promoveu a 11ª Rodada. Foi nesse leilão que a estatal, em parceria com a britânica BP, arrematou o bloco FZA-M-59, para o qual hoje pleiteia uma licença ao IBAMA para perfurar um poço.
As áreas da Foz foram disputadas por dois consórcios: um formado por Petrobras e Exxon e outro por Chevron e CNPC. As duas primeiras levaram 10 blocos, mas perderam a disputa para as concorrentes em 9 deles.
Exxon e Chevron já atuam na Guiana e no Suriname, onde grandes descobertas de petróleo aconteceram nos últimos anos. A ANP e o Ministério de Minas e Energia (MME), que defendem a exploração de petróleo no Brasil “até a última gota”, usam essas descobertas para dizer que a Foz pode ter grandes volumes de combustíveis fósseis, apesar de estar a cerca de 800 km de distância.
Para Ricardo Fujii, especialista em conservação e líder de transição energética do WWF-Brasil, a Petrobras ignora os alertas científicos, os riscos socioambientais e o próprio Acordo de Paris ao adquirir blocos na Foz.
“É uma aposta perigosa em ativos fósseis que só terão retorno se o mundo fracassar na luta contra o colapso climático. Estamos falando de uma das regiões mais sensíveis do planeta, onde vivem ecossistemas únicos como o grande sistema recifal amazônico e mais de 80% dos manguezais do país – berços da pesca, da segurança alimentar e do sustento de milhares de famílias. Em vez de liderar a transição energética, a Petrobras escolhe ampliar um portfólio de alto impacto e retorno incerto, colocando em risco o futuro climático do Brasil e do planeta”, disse.
Um relatório do WWF-Brasil, Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD) e World Benchmarking Alliance (WBA) divulgado há alguns dias mostra que se a meta do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura do planeta em 1,5oC acima dos níveis pré-industriais for cumprida, até 56% da nova produção de petróleo do Brasil e até 85% dos projetos da Petrobras podem ser economicamente inviáveis, gerando um desperdício de US$ 35 bilhões. É quase cinco vezes o lucro líquido da Petrobras em 2024, que foi de US$ 7,5 bilhões.
Com o resultado do novo “Leilão do Fim do Mundo”, a Foz do Amazonas passará a ter 28 blocos com contratos ativos de concessão, incluindo o FZA-M-59. A expectativa de aumento de áreas exploratórias na bacia fez com que o presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho, alertasse para a possibilidade de se criar uma “fila” de processos de licenciamento no órgão ambiental. Isso porque, sem AAAS, estudo ambiental amplo que apontaria restrições para a atividade petrolífera na região, a análise do IBAMA fica prejudicada.
O “Leilão do Fim do Mundo” foi noticiado por O Globo, UOL, Valor, eixos e VEJA, entre outros.