Esqueça os cisnes negros [1], estamos sendo atropelados por dois riscos do tipo rinoceronte cinza: o coronavírus e a emergência climática.
A metáfora do rinoceronte cinza foi cunhada pela especialista em riscos Michele Wucker para descrever perigos “altamente óbvios, altamente prováveis, mas ainda negligenciados”, em oposição aos riscos imprevisíveis ou altamente improváveis descritos pela metáfora do cisne negro.
Ao espalhar infecções e medo pelo mundo, o novo coronavírus está provocando referências ao cisne negro tanto na mídia quanto entre os investidores, assim como tem feito o impacto da crise climática sobre os mercados financeiros (veja também esta nota publicada pelo Climainfo).
Mas tanto para epidemias como a do coronavírus, como para o problema de queima mais lenta representado pelo aquecimento global, os alertas estavam aí para quem prestava atenção.
Compreender que tipo de risco se enfrenta – como indivíduo, país, empresa ou mundo – é essencial para termos certeza de estarmos preparados para o logo antes, o durante e o depois de um momento de crise. Se você confunde um rinoceronte cinza com um cisne preto, é bem provável que esteja mal preparado.
“É imensamente importante que os tomadores de decisão consigam enxergar os ‘riscos rinoceronte cinza’ ao invés de ficarem obcecados – em vão – com os ‘riscos cisne negro’, porque é possível enxergar rinocerontes cinzentos à frente, mas os cisnes negros, por definição, só aparecem no retrovisor. Ou seja, temos chance de fazer algo acerca dos ‘riscos rinoceronte cinza’. Enquanto a maioria dos ‘ricos cisne negro’ acontece porque as pessoas ignoraram os rinocerontes cinzentos.”
Para a maioria das pessoas na rua – ou num cruzeiro marítimo – provavelmente não há problema, já que não prestaram atenção para a potencial epidemia. Mas governos, empresas e especialistas ao redor do mundo deveriam ter previsto, porque as epidemias não são novas e provavelmente se tornarão mais comuns, como disseram Bill Gates e especialistas mencioandos pelo Wall Street Journal.
Na mesma linha, não há problema se os indivíduos não estiverem perdendo o sono tentando reduzir suas próprias pegadas de carbono – mas governos, instituições financeiras e empresas deveriam estar tomando medidas, tanto para a adaptação a um mundo inevitavelmente mais quente quanto para a redução das emissões de carbono.
Embora algumas entidades estejam começando a agir, esta ação é desigual e lenta, principalmente se considerarmos que os cientistas identificaram a crise climática décadas atrás.
Em ambas as frentes, muitos governos, e especialmente o governo dos EUA [e do Brasil], parecem na melhor das hipóteses estar despreparados e, na pior das hipóteses, dispensar habitualmente os rinocerontes cinzentos.
A administração Trump desmantelou uma unidade global de segurança sanitária anos atrás e cortou drasticamente a seção de saúde global do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, segundo recente reportagem de Bryan Walsh.
Trump está trabalhando para desfazer praticamente tudo o que Barack Obama fez em relação ao aquecimento global, enquanto que o risco climático mal se dissipa em reuniões diplomáticas desde que Trump ganhou a Casa Branca.
Embora o coronavírus e a crise climática sejam ambos riscos do tipo rinoceronte cinza, as suas diferenças explicam porque o mundo – e as ações e os preços do petróleo – estão de repente em dificuldade.
O coronavírus é uma ameaça mais imediata, e a quantidade de incerteza em torno dele parece ilimitada. Não sabemos quantas pessoas em determinada área estão infectadas, e porque não o sabermos, persistem dúvidas sobre a exata taxa de mortalidade.
A mudança climática é um enorme risco sistêmico que se desdobrará ao longo de décadas e séculos. Ela aumenta o risco de um número infinito de eventos e padrões meteorológicos distintos.
Embora muita incerteza persista, os cientistas estão melhorando a identificação do risco crescente. A saber: Os incêndios florestais na Austrália foram tornados pelo menos 30% mais prováveis devido às mudanças climáticas impulsionadas pelo homem, disse uma equipa global de cientistas na semana passada.
Os riscos raramente vêm isolados ou operam no vácuo. Há sempre o risco de consequências involuntárias em resposta a um risco inicial.
Nosso mundo globalmente conectado já corre o risco de parar e sofrer uma série de repercussões à medida do crescimento do número de infecções por coronavírus.
Na mesma linha, se o mundo cortar drasticamente o uso de combustíveis fósseis, os custos energéticos podem aumentar e causar colapsos econômicos e mais desigualdade.
Há também entre os riscos uma competição pela atenção. Os receios sobre o coronavírus já estão atrasando as principais reuniões diplomáticas sobre as mudanças climáticas antes da cúpula do final deste anos amplamente esperada.
Embora não menos urgente ou importante, a mudança climática é um risco mais lento, por isso, inevitavelmente – e compreensivelmente – é posta em segundo plano quando milhões de pessoas correm o risco de morrer de um surto de vírus nos próximos meses.
O que acontece quando se vários rinocerontes cinzentos estão vindo em nossa direção? Certamente um grupo destes rinocerontes será, talvez de forma adequada e alarmante, considerado como de “desastre”.
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[1] acontecimentos de impacto desproporcional ou evento raro aparentemente inverosímil, para lá das expectativas normais históricas, científicas, financeiras ou tecnológicas.