Financiamento climático não pode virar armadilha de dívida externa para países pobres

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Benedict Kim / AFP

O clima extremo colocou os países pobres e vulneráveis em um cenário “se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come”. Ou seja: a intensificação de eventos climáticos extremos deve demandar um volume extraordinário de recursos financeiros internacionais nos próximos anos e décadas; ao mesmo tempo, se a maior parte desses recursos externos vier na forma de empréstimos, esses países poderão armar uma “bomba-relógio” de dívida, piorando um problema que já é crônico para eles.

Um relatório chefiado pelo economista britânico Nicholas Stern estimou o custo que as nações em desenvolvimento terão que arcar nos próximos anos para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e lidar com os efeitos da crise climática: cerca de US$ 2 trilhões (quase R$ 10,3 tri) por ano até 2030. 

Só para comparar, o máximo que os países desenvolvidos prometeram fornecer em termos de financiamento climático (e que, até agora, não foi cumprido) é US$ 100 bilhões anuais. A maior parte das necessidades financeiras projetadas pelo estudo iria para a transição energética, mas o montante também inclui gastos necessários em adaptação e prevenção de desastres. 

“Os países ricos devem reconhecer que é de seu interesse vital, bem como uma questão de justiça, devido aos graves impactos causados por seus altos índices de emissões atuais e passadas, investir em ação climática em mercados e países emergentes e em desenvolvimento”, destacou Stern, citado pelo Guardian. AFP e Al-Jazeera também repercutiram a análise.  

Essa dependência de recursos externos para ação climática nos países pobres pode colocá-los em uma sinuca-de-bico no futuro, especialmente se os fluxos financeiros continuarem privilegiando empréstimos em detrimento de doações. “Os países em desenvolvimento precisam equilibrar as necessidades climáticas urgentes e o pagamento de dívidas. Se você não pode pagar suas dívidas, sua classificação de crédito cai e você compromete suas parcerias e sua capacidade futura de obter financiamento”, explicou Jessica Omukuti, pesquisadora da Universidade de Oxford (Reino Unido), ao Financial Times.

Uma alternativa que vem sendo defendida por alguns países é a reestruturação da dívida externa atual com a troca de pagamentos a credores por financiamento a projetos climáticos nos países devedores.

A troca de dívida-por-natureza (debt-for-nature) permitiria destravar mais rapidamente o apoio financeiro a ações de mitigação e adaptação nos países pobres, que poderiam fazê-lo utilizando o dinheiro que eles usariam inicialmente para pagar sua dívida externa com as nações mais ricas.

“Esse enorme pagamento do serviço da dívida pode obstruir as oportunidades de investimento em adaptação ou na transição de baixo carbono”, destacou Sara Jane Ahmed, do grupo de países vulneráveis, à Bloomberg. “Nós não estamos em uma situação em que podemos ter austeridade porque precisamos investir na resposta à pandemia e aos impactos do clima”. 

Em tempo: O primeiro-ministro de Tuvalu, Kausea Natano, quebrou um tabu ao se tornar o primeiro líder nacional a defender um tratado oficial para não-proliferação de combustíveis fósseis no âmbito das negociações climáticas da ONU. Em discurso na cúpula de líderes da COP27, Natano argumentou que a principal causa da crise climática está na queima de combustíveis fósseis; nesse sentido, para acelerar a ação, seria fundamental que esse consumo seja suprimido o máximo possível e que novas fontes de produção fiquem proibidas de operar. “Está ficando muito quente e há pouquíssimo tempo para desacelerar e reverter o aumento da temperatura. Portanto, é fundamental priorizar estratégias de ação rápida que evitem um aquecimento maior”, disse. Associated Press e Guardian deram mais informações.

 

ClimaInfo, 9 de novembro de 2022.

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