
O início da primavera e o começo do La Niña trouxeram esperança de que, se o poder público falha na contenção dos incêndios, a chuva daria conta de aliviar o sofrimento da natureza. Porém, as previsões meteorológicas apontam para condições climáticas propícias para a propagação do fogo: outubro terá chuvas e umidade abaixo da média, com temperaturas mais elevadas. Condição não é anormal, mas o conjunto de oito ondas de calor em dez meses e estiagem prolongada podem trazer recorde de queimadas para 2024.
Segundo dados do BDQueimadas, do INPE, no Brasil, de janeiro até setembro foram 210.208 focos de calor. A primeira semana de outubro já registrou mais de 7.500, subindo a conta para 217.792. Se for aplicado a média de focos do ano, ainda teremos mais 70 mil até dezembro. Quase todo fogo teve início via mão humana, porém o começo da seca em abril, ao invés de junho, proporcionou um cenário para que esses incêndios se propagassem.
Josélia Pegorim, climatologista do Climatempo, explica que a atmosfera ainda está muito seca e que o processo de umidificação levará um tempo. “O sistema de alta pressão predomina no interior do país na época de inverno e início da primavera, o que é causa bloqueios atmosféricos”, explica, “para se formar nuvem é preciso um movimento do ar de baixo para cima, e o sistema de alta pressão faz o inverso, joga o ar seco das áreas mais altas para baixo e aí bloqueia a renovação de ar frio”.
Essa condição não é anormal. A Organização Meteorológica Mundial utiliza como referência a média climatológica, um cálculo feito de trinta anos (1991-2020). Nesse cálculo se extrai valores de referência para precipitação, umidade, temperatura máxima, mínima, entre outras.
O problema é que a temperatura não esfriou no período que deveria ter esfriado. “Você tem uma onda de calor que vai em maio, junho, julho, agosto, setembro e outubro. A atmosfera não vai conseguir resfriar, então você manteve o país quente por muitas mais horas no inverno”, explica.
Pontos de atenção: La Niña e Zona de Convergência Intertropical (ZCIT)
Josélia também destaca dois fenômenos que alteram as condições climáticas da região. Primeiro, o La Niña, que está se formando no momento e cujos efeitos devem ser sentidos ao longo do verão. Uma característica clássica do fenômeno é a diminuição de chuva no centro do Brasil e aumento da chuva nas áreas do extremo norte. Dessa vez, o evento é considerado fraco, ou seja, não deve alterar drasticamente o clima da região.
Porém, há um agravante, que a especialista pontua como negativo para a produção de chuva no norte e nordeste do país: as águas do Atlântico Norte, na costa do Brasil, estão mais frias do que o normal, o que faz a comunidade científica nomear o evento como “La Niña do Atlântico”. A água fria vai dificultar a aproximação das Zonas de Convergência Intertropical (ZCIT), um aglomerado de nuvens carregadas que provocam muitas chuvas.
Essas nuvens se movimentam ao longo do ano em direção às áreas mais quentes do globo, ou seja, no verão do hemisfério norte, elas migram para lá, e quando esquenta por aqui, elas migram para o sul. “Quando a água do Atlântico norte está mais fria que o normal, dificulta a aproximação da ZCIT, o que vai atrasar a chuva no extremo norte do Brasil. Esse sistema é um dos principais fazedores de chuvas na região”, ressalta.
Ou seja, o alívio para a estiagem histórica que trouxe recordes de baixa avassaladores para os rios amazônicos não deve ser solucionado em outubro. Josélia enfatiza que, para devolver o nível normal de rios como o Rio Negro é necessário chuvas prolongas ao longo de uma estação. “A chuva que cai agora, além de cair em poucas áreas, não tem regularidade o suficiente para molhar a terra em profundidade”, afirma.
Não é chuva para dar segurança que o fogo irá se findar, muito menos para encher rio. Confira no final da matéria mapas da temperatura e precipitação no Brasil para outubro e novembro.
Pontos de atenção: condições propícias para incêndios
Na região norte, a previsão indica chuvas abaixo da média para outubro, com chuvas pontuais na parte oeste da região. A temperatura do ar deverá permanecer acima da climatológica em toda a região, com destaque para o leste do Amazonas e centro-sul do Pará, devido a redução de chuvas. Para novembro, estão previstos níveis mais elevados de umidade no solo, exceto no nordeste da região amazônica.
Outro destaque está para a região centro-oeste, cuja tendência de umidade relativa do ar tem valores diários abaixo de 30% e picos mínimos abaixo de 20%. As previsões indicam temperaturas acima da média nos próximos meses, com possibilidade de dias com excesso de calor em algumas áreas devido à permanência de massas de ar seco e quente.
Segundo dados do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres, as condições favoráveis para a propagação de incêndios ocorrem quando se verificam simultaneamente altas temperaturas (acima de 30ºC), baixa umidade relativa (abaixo de 30%) e ventos intensos (superiores a 15 km/h).
Mapas do Climatempo
Precipitação outubro e novembro 24:


Escala de precipitação:
abaixo de -200 mm = muito abaixo da média
-200 mm a -100 mm = abaixo da média
-100 mm a -15 mm = um pouco abaixo da média
-15 mm a 15 mm = dentro da média
15 mm a 100 mm = um pouco acima da média
100 mm a 200 mm = acima da média
mais de 200 mm = muito acima da média
Temperatura outubro e novembro 24:


Escala de temperatura:
abaixo de -3,0°C = muito abaixo da média
-3,0°C a -1,0°C = abaixo da média
-1,0°C a -0,2°C = um pouco abaixo da média
-0,2°C a 0,2°C = dentro da média
0,2°C a 1,0°C = um pouco acima da média
1,0°C a 3,0°C = acima da média
acima de 3,0°C = muito acima da média