Beneficiária ou doadora? O financiamento climático e a incógnita chinesa

China fundo perdas e danos
Noel Celis/AFP

Um dos “fios desencapados” das negociações climáticas da ONU é a questão do financiamento. Quanto dinheiro precisa ser destinado aos países em desenvolvimento, quem são os beneficiários prioritários e quem são os doadores potenciais estão entre as várias perguntas que costumam causar problemas em toda COP, mesmo desde antes do Acordo de Paris.

Na COP27 encerrada na semana passada no Egito, o problema foi mais proeminente por conta do foco inédito dos negociadores em torno da questão da compensação por perdas e danos decorrentes da mudança do clima. Dois “nós-cegos” em particular quase resultaram em um fracasso diplomático histórico em Sharm el-Sheikh: quem seriam os doadores e quem seriam os beneficiários desses recursos.

Os países em desenvolvimento defendem que o fundo de perdas e danos não faça discriminação entre países mais ou menos vulneráveis, em linha com o princípio da equidade, ao mesmo tempo em que os países desenvolvidos devem assumir sua responsabilidade histórica e doar recursos para o mecanismo. Já os países desenvolvidos contestam essa proposição, defendendo as nações mais vulneráveis como as beneficiárias prioritárias desses recursos e a inclusão de outros países como doadores potenciais – em particular, a China.

O Washington Post fez uma análise interessante sobre o caso chinês. Em 1992, ano de assinatura da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o Produto Interno Bruto (PIB) da China não passou de US$ 427 bilhões (em valores corrigidos). Para efeito de comparação, o PIB do Paquistão naquele ano foi de US$ 48 bilhões; já o dos EUA, a superpotência sobrevivente da Guerra Fria, foi de incríveis US$ 6,52 trilhões, mais de 100 vezes superior ao PIB da China.

Duas décadas depois, a situação é totalmente diferente: enquanto os EUA seguem encabeçando o PIB global, com US$ 23 trilhões em 2021, a China está bem próxima, com US$ 17,73 trilhões; já o Paquistão está muito atrás, com US$ 346 bilhões.

Ainda assim, aos olhos da UNFCCC, a China está mais próxima do Paquistão do que dos EUA, a despeito de sua economia. Isso porque, em 1992, a UNFCCC formalizou em seu texto uma diferenciação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, que persiste até hoje. Para efeitos diplomáticos, a China continua sendo um país em desenvolvimento, tal qual o Paquistão, apesar das diferenças óbvias de pujança econômica.

Esse impasse está no centro da discussão atual sobre financiamento climático e sua resolução (ou algo próximo disso) será fundamental para destravar o fundo de perdas e danos nos próximos anos. Ao mesmo tempo, nada no contexto político e estratégico no curto prazo indica que isso será fácil.

 

ClimaInfo, 24 de novembro de 2022.

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