
A COP29 entra em sua segunda semana de trabalhos com uma interrogação persistente em seu principal item de negociação – como será o financiamento internacional para ação climática a partir de 2025. Essa questão se arrasta há anos, mas ganhou urgência nos últimos meses por conta do próximo ciclo de contribuições nacionalmente determinadas (NDC) para o Acordo de Paris, que deverá ser apresentado pelos países até fevereiro de 2025. A ambição dos novos compromissos de mitigação dependerá do volume de financiamento a ser definido nos próximos dias na capital do Azerbaijão, Baku.
O problema é que, ao menos até aqui, ambição é commodity escassa nas negociações sobre financiamento climático, especialmente por parte dos países desenvolvidos. Principais responsáveis pela crise climática atual, essas nações ricas e industrializadas deveriam assumir o fardo de financiar a mitigação, a adaptação e a compensação por perdas e danos nos países mais pobres e vulneráveis. Esse dever está formalizado na própria Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), de 1992, sob os princípios das responsabilidades comuns, porém diferenciadas (CBDR) e da responsabilidade histórica.
Mais de três décadas depois, o texto ainda não se traduziu em ação, ao menos na proporção necessária para enfrentar a gravidade da crise do clima. Prometida para 2020, a meta de financiamento de US$ 100 bilhões anuais definida pelos governos desenvolvidos na COP15 de Copenhague, em 2009, só foi atingida dois anos depois, segundo dados da OCDE.
Mesmo assim, de acordo com análise recente da Oxfam, esse montante pode estar sendo superdimensionado na contabilização, já que ele inclui valores emprestados aos países mais pobres e outros recursos de projetos associados parcial ou marginalmente à ação climática. Excluindo esses valores, o financiamento climático atual seria de, no máximo, US$ 35 bilhões, muito aquém da meta atrasada.
Quantos trilhões de dólares?
De toda forma, mesmo que estivesse na casa dos US$ 100 bilhões anuais, o financiamento climático ainda seria insuficiente perante as necessidades efetivas das nações mais vulneráveis, que dependem desses recursos para se adaptar, reduzir suas emissões e aliviar a pressão econômica decorrente de eventos climáticos extremos. Só as perdas econômicas globais associadas a furacões, tempestades, secas e outros extremos podem chegar a inacreditáveis US$ 38 trilhões anuais até 2049, de acordo com um estudo publicado em abril passado pelo Potsdam Institute for Climate Research Impact (PIK).
Assim, qualquer discussão realista sobre financiamento climático precisa partir de um pressuposto óbvio: hoje, o volume de recursos é insuficiente para lidar efetivamente com o problema climático. Fazer as contas em bilhões de dólares quando a situação exige trilhões é seguir tratando a crise cosmeticamente. No entanto, infelizmente, esse tem sido o caminho que muitas nações desenvolvidas insistem em seguir em Baku.
Um dos pontos mais importantes da discussão sobre financiamento nesta COP29 é a definição da chamada nova meta coletiva quantificada (NQCG) – ou seja, o novo objetivo substituto dos US$ 100 bilhões anuais definidos há 15 anos. Os países em desenvolvimento defendem que a nova meta seja de pelo menos US$ 1 trilhão por ano a partir de 2030, o que vem sendo reiteradamente rejeitado pelos governos ricos.
Para as nações mais pobres, esse valor é crucial para estruturar planos mais realistas e viáveis de ação climática, considerando a realidade econômica e as necessidades de mitigação e adaptação. Não à toa, muitos desses países estão aguardando a definição das negociações sobre financiamento para divulgar suas novas NDCs, de forma a não se comprometer com objetivos climáticos sem que haja instrumentos financeiros internacionais que os viabilizem.
No entanto, os países desenvolvidos seguem irredutíveis em definir uma nova meta quantificada. O argumento, segundo eles, é que os fluxos de recursos públicos para o financiamento climático internacional estão esgotados; não há reserva fiscal que permita mais doações. Assim, esses governos não teriam condições de se comprometer com financiamento adicional para o clima.
Por isso, segundo os governos ricos, o caminho para ampliar o financiamento climático estaria na ampliação do pool de doadores para além das nações ricas, incluindo economias emergentes (leia-se China), os bancos multilaterais de desenvolvimento e o capital privado.
De onde virão os trilhões de dólares?
Essa argumentação dos países desenvolvidos mascara algumas verdades inconvenientes que evidenciam a falta de vontade política de seus governos nas negociações sobre financiamento climático. A primeira e mais grave delas é a política de subsídios aos combustíveis fósseis, através da qual eles despejam bilhões e bilhões de dólares anuais para baratear a energia suja e favorecer os interesses da indústria fóssil.
Uma análise da Agência Internacional de Energia (IEA) indica que, somente em 2022, os subsídios globais à energia fóssil atingiram US$ 1,1 trilhão, o dobro do total destinado para esse fim no ano anterior. Outra pesquisa, mais recente, do grupo Price of Oil estimou que os governos do G20 e os bancos multilaterais de desenvolvimento forneceram US$ 142 bilhões em financiamento público internacional para projetos de combustíveis fósseis entre 2020 e 2022, a maior parte destes em países em desenvolvimento.
Um caminho potencial para destravar o financiamento climático é o remanejamento desses subsídios, o que poderia liberar recursos que hoje são utilizados em prol do Big Oil para acelerar a transição energética para fontes renováveis e ajudar na ação climática nos países em desenvolvimento.
Outra verdade inconveniente é a injustiça fiscal que predomina na maior parte dos países, na qual o sistema tributário beneficia os donos das maiores fortunas do mundo e penaliza a esmagadora maioria da população. Uma das propostas do Brasil para o G20, cuja cúpula de chefes de estado e governo acontece nesta semana no Rio de Janeiro, visa exatamente fechar essa lacuna e impor uma tributação extra aos super-ricos como uma fonte potencial de recursos para combate à pobreza e ação climática.
Um imposto de 5% sobre a renda dos super-ricos dos países do G20 mobilizaria cerca de US$ 1,5 trilhão anuais, segundo projeções da Oxfam. Medidas como essa não apenas trariam mais justiça tributária e mais recursos públicos, mas também contam com grande apoio social: uma pesquisa Ipsos indica que 68% da população nos 17 países do G20 são favoráveis à taxação das grandes fortunas como caminho para financiar as transformações necessárias para combater as mudanças climáticas e outros problemas globais.
Essas mudanças podem viabilizar um montante bem superior ao mínimo demandado pelos países em desenvolvimento na COP29. De acordo com a Oil Change International, uma combinação de impostos sobre a riqueza dos bilionários e o fim dos subsídios públicos aos combustíveis fósseis permitiram levantar pelo menos US$ 5 trilhões por ano para a ação climática.
O que precisamos para a conta fechar?
Os próximos dias poderão ser os mais importantes para o futuro da ação climática global desde a assinatura do Acordo de Paris, há quase uma década. Da mesma forma que a meta de US$ 100 bilhões anuais de 2009 ajudou a manter em pé as negociações sobre clima depois do debacle de Copenhague, uma nova meta realmente ambiciosa para o financiamento climático poderá injetar ânimo em um processo político cada vez mais criticado. Isso é ainda mais crucial com a perspectiva de uma nova saída dos Estados Unidos, o grande spoiler climático, das negociações multilaterais.
Para isso, os países desenvolvidos precisam fazer jus às responsabilidades assumidas no âmbito da UNFCCC e propor medidas que viabilizem o apoio financeiro necessário aos países em desenvolvimento. Fazer isso não é apenas uma resposta moral: é uma solução para problemas potenciais que podem ser ainda mais devastadores para todo o planeta.
Como bem lembrou o secretário-geral da ONU, António Guterres, precisamos acabar com a ideia de que o financiamento climático é uma caridade dos países ricos aos pobres. “Uma nova meta ambiciosa de financiamento é inteiramente do interesse próprio de cada nação, incluindo as maiores e mais ricas”.