Resolver o problema da falta de água e esgoto tratados beneficia a saúde da população
O projeto “Retomada Verde Inclusiva” do Instituto ClimaInfo, com o apoio do Observatório do Clima e GT Infraestrutura, traz opções de curto prazo em investimentos verdes para a recuperação da economia. Debate com especialistas em seminário promovido pelo ClimaInfo trouxe soluções em várias áreas.
A relação entre água, esgoto e saúde é clara e conhecida: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada dólar investido em água e saneamento, economiza-se 4,3 dólares em saúde global. O que é preciso acrescer a essa conta é a geração de empregos: cada bilhão investido em saneamento, por exemplo, gera 10 mil empregos apenas em obras. Segundo estudo do Trata Brasil, os investimentos em saneamento entre 2004 e 2016 sustentaram 142 mil empregos por ano no país (69 mil diretos, 33 mil indiretos e 40 mil induzidos). O investimento médio anual neste período foi de R$ 14 bilhões.
Isso significa que investir em água e esgoto é uma eficiente alternativa para se gerar empregos no curto prazo, ao mesmo tempo em que contribui para aliviar a pressão (e as despesas) com sistemas de saúde em todo o país, contribuindo para a melhora do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. Recuperar o cronograma original do Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) é, portanto, urgente.
O PLANSAB consiste no planejamento integrado de saneamento básico, incluindo seus quatro componentes: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, resíduos sólidos e drenagem urbana. Ele foi lançado pelo governo federal em 2013 e aprovado no ano de 2014, após passar por um amplo processo participativo envolvendo as principais organizações da sociedade civil. Suas diretrizes almejam a meta de universalização do saneamento até 2033. Para tanto, a versão 2019 previa investimentos da ordem de R$ 30 bilhões por ano. Porém, os investimentos efetivamente realizados não chegaram à metade dos previstos no Plano. Isso significa que cumprir a meta do PLANSAB gera 300 mil empregos ainda este ano.
É igualmente importante a adoção de um novo paradigma de segurança hídrica que estimule inovação e tecnologia, usando soluções baseadas na natureza para regeneração dos recursos hídricos e redução dos custos de tratamento e do uso de produtos químicos e de energia para taL. Isso pode ser feito tanto pelas empresas, como pelas comunidades: um bom exemplo é o projeto Verdejar, que trabalha em prol da recuperação da Serra da Misericórdia (maior área de Mata Atlântica na Zona Norte do Rio de Janeiro), com princípios agroecológicos e que entre outras conquistas, foi decretada APARU (Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana) pela Prefeitura. O projeto é responsável pela preservação de uma área verde na comunidade Sérgio Silva, uma extensão do Complexo do Alemão que faz parte da Serra da Misericórdia, que está quase totalmente devastada pela mineração de granito e ocupações sem planejamento. Uma de suas características é a prática da agroecologia, para a preservação do meio ambiente e para a produção de alimentos saudáveis e socialmente justos.
Além dos benefícios para a saúde (como reduções de mortalidade infantil, infecções gastrintestinais, afastamentos do trabalho e mortes decorrentes de doenças), o investimento em água e esgoto favorece melhores indicadores de educação (associados a melhor desempenho escolar e um ganho de produtividade e de remuneração das gerações futuras) e promove a valorização imobiliária (em imóveis em bairros similares e que se diferenciam apenas pelo acesso ao saneamento, aqueles que estiverem ligados às redes de distribuição de água e de coleta de esgoto poderiam ter seu valor elevado em quase 14%).
Aproximadamente 35 milhões de brasileiros não são servidos por sistemas públicos de distribuição de água potável. E quase metade da população (cerca de 100 milhões de brasileiros ou 47% de seu total) não contam com rede coletora de esgoto. Do volume coletado, menos da metade (48%) é tratado, sendo que a qualidade desse tratamento é bastante inferior ao exigido pelo enquadramento dos corpos d’água. Mas esses dados dramáticos não expressam a realidade, que pode ser bem pior, uma vez que só contabilizam a “população atendível”, aquela que reside em áreas regularizadas, deixando de fora boa parte da população que vive em favelas, zonas periféricas urbanas e rurais, onde seus moradores são “invisíveis” para o sistema existente.
Se nada for feito, as perspectivas para o futuro são sombrias. Um dos impactos do aquecimento global esperado é o aguçamento das crises hídricas, como as que atingiram São Paulo e Rio de Janeiro entre 2013 e 2015, o Distrito Federal em 2016 e 2017 e, este ano, Curitiba. O quadro é ainda agravado pelas perdas gigantescas de água tratada. Os sistemas de distribuição carecem de manutenção, gerando perdas de pouco menos 40% da água tratada pelas companhias de água. O tamanho do desafio é refletido em uma das metas do PLANSAB – a que espera que até 2033, as perdas sejam de “apenas” 31%. Para o saneamento básico, as perspectivas tampouco são otimistas, posto que mais da metade das cidades brasileiras sequer tinha um Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) em 2017. Foi nesse contexto que o Congresso aprovou recentemente o Marco Legal do Saneamento Básico, que tem como norte a privatização dos serviços de saneamento.
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Retomada verde pode evitar metade do aquecimento global previsto até 2050 (matéria de Giovana Girardi para o Estadão)
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ClimaInfo, 3 de setembro 2020.
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